São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 1996
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'Segredos e Mentiras' abre Mostra Rio em SP

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Segredos e Mentiras", do inglês Mike Leigh, abre hoje, em sessão para convidados no Espaço Unibanco de Cinema, a seleção paulista da Mostra Rio (ex-Mostra Banco Nacional).
Até 3 de outubro, serão exibidos em São Paulo 40 dos 170 filmes da Mostra Rio.
Entre os títulos selecionados estão os novos filmes de Peter Greenaway ("O Livro de Cabeceira"), Robert Altman ("Kansas City") e Jim Jarmusch ("Dead Man"), além dos inéditos nacionais "Um Céu de Estrelas", "Como Nascem os Anjos" e "Quem Matou Pixote?".
O filme de Leigh, "Segredos e Mentiras", que ganhou a Palma de Ouro em Cannes neste ano, tem todos os elementos de um rasgado melodrama: filha abandonada no nascimento aparece depois de 27 anos e causa uma crise familiar, ao desencavar antigos traumas e segredos. Pior: a filha enjeitada é negra, no seio de uma família branca.
O que impede esse entrecho de cair na burrice e na previsibilidade de tantas novelas de TV é a habilidade de Mike Leigh em conduzir seu drama como um sutil esconde-esconde emocional, em que os personagens, assim como o público, têm um conhecimento parcial do que se passa e vão construindo gradualmente o passado.
À parte isso, o diretor recorreu a algumas inversões astuciosas dos clichês melodramáticos.
Dois exemplos: a moça negra é a única bem-sucedida numa família branca de fracassados; a mãe que a abandonou semeia o desastre não por ser malvada, mas por ser boa demais.
A opção de Mike Leigh para narrar essa história foi apostar tudo na verdade de cada personagem.
Sua mise-en-scène se reduz praticamente a planos longos, em que os personagens interagem e se revelam menos pelo conteúdo do que dizem e mais pela voz e pelos gestos que os acompanham.
Os dois momentos cruciais do filme -o encontro em que mãe e filha se conhecem, numa mesa de lanchonete, e o almoço familiar em que todo um passado vem à tona- são um primor de controle dramático.
Nesta última sequência, com sete personagens em cena, a câmera fica parada durante a maior parte do tempo, mas no interior do plano uma infinidade de coisas acontece simultaneamente, estimulando o espectador a buscar os detalhes significativos nas beiradas e no fundo do quadro.
Esse tipo de cena, que parece tão natural, exige uma marcação precisa dos diálogos e da movimentação dos atores.
É um "tour de force" do qual Mike Leigh sai plenamente vitorioso, em parte graças à excelência de seus atores, especialmente Brenda Blethyn (melhor atriz em Cannes), no papel da mãe branca, e Marianne Jean-Baptiste, no da filha negra.

Evento: Mostra Rio em São Paulo
Quando: de amanhã a 3 de outubro; abertura para convidados hoje, às 21h30
Onde: Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.475/1.470, centro, tel. 011/288-6780) e Sala Cinemateca (r. Fradique Coutinho, 361, zona oeste, tel. 011/881-6542)

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