São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 1996
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A abertura não tem dono nem é de 1990

MAILSON DA NÓBREGA

Nas últimas semanas, tem repercutido na imprensa o instigante ensaio de Gustavo Franco, no qual o diretor do Banco Central defende, entre outros pontos, que o aumento da produtividade é a causa maior do desenvolvimento e da justa distribuição de renda.
A proposição, que não é nova, foi mais uma vez demonstrada, com vigor e até com ironias. No trabalho e nas entrevistas, Franco assevera, com razão, que as transformações em curso resultam, em grande parte, da abertura da economia.
Para ele, a abertura começou em 1990. Na entrevista à "Veja", afirmou que a primeira medida provisória da abertura teria sido preparada pelo governo Collor, com a ajuda dos economistas do PSDB.
É incrível como a idéia de que a abertura começou no governo Collor fixou-se de forma indelével no imaginário dos analistas da economia.
Isso parece ser resultado da imagem criada pelo marketing de Collor, que o apresentou como um Indiana Jones, arma em punho, determinado a enfrentar o mal e libertar o país da opressão do fechamento econômico e das "carroças".
Tudo se passa como se a abertura tivesse acontecido instantaneamente, ao espocar de foguetes, numa festa de voluntarismo político.
Na verdade, Collor não foi o responsável pelo início da abertura, mas por sua aceleração, o que não é pouco. Acabou, todavia, emprestando a ela contornos políticos e simbólicos tão fortes que ninguém lhe tira mais o galardão.
A abertura da economia foi um processo, uma palavra muito usada pelo atual governo. Ainda está em andamento.
Suas origens remontam ao surgimento da crise da dívida externa -portanto, muitos anos antes do vendaval Collor.
Dela participaram distintas equipes. Recebeu influência (por que não dizer?) do FMI e do Banco Mundial, nas negociações das cartas de intenção e dos empréstimos setoriais dos anos 80.
Em meados da década passada, o BNDES contribuiu para formar opinião em torno da abertura, com Júlio Mourão e sua defesa da necessidade de integração competitiva do Brasil na economia mundial.
O "Diário Oficial" e os arquivos da Comissão de Política Aduaneira, da Cacex e do Banco Central provam que as medidas legais e os regulamentos para promover a abertura e a liberalização cambial -parte inseparável dela- apareceram antes de 1990.
Dizer que a abertura aconteceu naquele ano é injusto em relação aos que contribuíram para a percepção, no governo, do fim do modelo de substituição de importações, com a coragem de rever posições pessoais e enfrentar naturais resistências.
É impossível não reconhecer a participação fundamental de José Tavares de Araújo Júnior, Heloísa Camargos, Namir Salek, Emílio Garófalo e muitos outros.
Eles contribuíram para as mudanças com idéias, ação e, algumas vezes, com reação. A eles se deve o trabalho que redundou na revisão tarifária de junho de 1988 e julho de 1989, que marca o rompimento com o sistema aduaneiro anterior.
Ali foram abolidos a redundância tarifária e os inúmeros regimes especiais de importação, abrindo o caminho para a abertura.
As intrincadas regras sobre exportação foram revistas entre 1987 e 1989, período em que se iniciou o desmantelamento das restrições às importações, com as primeiras medidas de dispensa das guias de importação e de autorizações especiais.
A extinção da lista de produtos com importação suspensa -atribuída a Collor- foi desencadeada em 1988. Da lista de 3.000 produtos, reduzida gradualmente, restavam apenas 500 na passagem de governo.
Na área cambial, a abertura começou em dezembro de 1988, com o câmbio flutuante, e em fevereiro de 1990, com a arbitragem ouro/dólar, medidas que feriram de morte o ágio no mercado paralelo e prepararam o caminho para a liberalização posterior.
A abertura era defendida, fazia tempo, nos altos escalões da burocracia federal. As primeiras medidas legais e regulamentares para viabilizá-la surgiram, como se viu, no final do governo Sarney.
É difícil, se não impossível, refazer a versão histórica da abertura, nem isso é importante. O que vale são os resultados e a consequente mudança de padrão mental.
Mesmo assim, não resisti ao impulso de fazer este registro.

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