São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 1996
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A instabilidade do Pontal

PEDRO DE CAMARGO NETO

Instabilidade social e política é uma característica de regiões de fronteira de desenvolvimento. O homem e a atividade econômica chegam antes da organização da sociedade e do Estado de Direito. Disputas pessoais e econômicas se resolvem pela lei do mais forte.
Em nosso país de dimensões continentais e brutais disparidades de renda, desenvolvimento socioeconômico e organização política, ainda encontramos regiões que a fragilidade das instituições democráticas caracteriza como regiões de fronteira de desenvolvimento.
O sul do Pará, o Bico do Papagaio de Tocantins e algumas regiões de Rondônia são fronteiras. O Poder Judiciário e o poder da polícia são deficientes.
O Brasil não pode aceitar a convivência com regiões do seu território fora do Estado de Direito. A democratização do país não permite. Seus reflexos podem inibir importantes investimentos internacionais, chegando mesmo a ter influência na estabilidade econômica como um todo.
O mundo desenvolvido pode até aceitar que regiões das periferias das grandes metrópoles sejam dominadas pelo narcotráfico e, portanto, estejam fora do Estado de Direito; porém não aceitará um conflito agrário.
Um conflito do tipo de Chiapas, mesmo pequeno, pode ter enormes consequências. É importante que o Estado venha a imprimir um ritmo satisfatório na modernização fundiária brasileira, particularmente nas regiões de fronteira.
Além dos poucos assentamentos que o governo consegue realizar, é preciso inovar, introduzindo mecanismos modernos de reformas sociais no campo. As instituições do Estado de Direito precisam ser garantidas.
A recente instabilidade no Pontal do Paranapanema é inaceitável. Não se tratava de uma região de fronteira de desenvolvimento. Como explicar o fato de estar nessa região o foco de agravamento do conflito? Estaria o Pontal sem Estado de Direito?
Em alguns perímetros geográficos, numa pequena parte da região sudoeste de São Paulo, no extremo do Pontal do Paranapanema, existiam antigas disputas judiciais referentes à titularidade de terras.
Décadas de falta de atenção e de prioridade, por parte de governos e proprietários, postergaram uma decisão. O atual governo estadual poderia, com certeza, regularizar a região, oferecendo condições para seu desenvolvimento.
Optou, porém, por ampliar o conflito. De uma hora para outra, passou a contestar a titularidade de propriedades distantes mais de 300 quilômetros do Pontal.
Os limites do conflito, que ficavam no extremo do sudoeste paulista, se ampliaram, passando a fazer parte da jurisdição do procurador regional do Estado. Proprietários com meio século de trabalho e produção passaram a ser levados ao Judiciário pelo atual governo.
Ninguém mais sabe se é dono de sua propriedade, na visão do governo estadual. O secretário da Justiça passou a chamar todos os fazendeiros da região de posseiros. O governo questionou o direito de propriedade na região.
Os registros de imóveis nos cartórios oficiais perderam valor. A questão jurídica é complexa. Sua tramitação certamente chegará ao Supremo Tribunal Federal.
A questão política, porém, é mais simples. A idéia por trás de todas as leis de terras é oferecer os meios para os governos ordenarem o progresso nas regiões de fronteira de desenvolvimento.
Os governos vendem títulos ou titulam posses, viabilizando condições para o progresso social e a ordem pública.
O governo estadual está subvertendo a ordem das coisas. Resolveu questionar títulos perfeitamente regulares há mais de meio século. Recolocou ampla região do território paulista como fronteira de desenvolvimento. Está aí o recrudescimento do conflito.

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