São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 1996
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São Paulo é o mais triste dos grandes clubes

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não há hoje entre os grandes clubes algum mais triste que o São Paulo. É um time que tem mais medo de errar do que vontade de acertar. Que joga sem brilho, sem graça, sem ousadia, amarrado, cumprindo funções táticas de forma burocrática, como um funcionário público entediado que não vê a hora de se livrar do serviço.
Este São Paulo, que agora entra numa crise que parece ter sido planejada, de tão previsível, tem muito do jeitão de Carlos Alberto Parreira: o ar circunspecto, os olhos tristes, a boca caída, a postura professoral e acadêmica, a economia dos gestos, a completa ausência de adrenalina.
Há clubes, como o Santos, a Portuguesa, o Corinthians, que lutam para driblar a mediocridade de seus elencos. O São Paulo, pelo contrário, está mediocrizando seus talentos.
O futebol de Muller vem despencando. A criatividade de jogadores como Serginho, hoje o melhor lateral esquerdo do país, e Denílson está sufocada pelo mesmo esquema tático que deu ao Brasil o título mundial mais frouxo e inexpressivo da história das Copas -uma vitória nos pênaltis depois de um sofrível zero a zero com uma seleção italiana muito inferior à brasileira.
Tem-se a impressão de que a contusão de Adriano foi um alívio para Parreira. Um jogador jovem e brilhante, que foi queimado de saída pelo pecado de ser um meio-campista cuja principal característica é criar e não marcar.
Seria o caso de perguntar o que faria o treinador do São Paulo se tivesse em seu elenco Djalminha, Rincón, Viola e Luizão. Provavelmente vetaria dois dos quatro em nome do "futebol compacto".
Dizer que o São Paulo "é um time que ataca quando tem a posse de bola", como fez Parreira ontem, é mais ou menos como dizer que o carro anda quando a roda começa a girar.
Parreira é um estudioso, pensa o futebol como quem joga xadrez. Só que, ao contrário deste, o futebol não se resolve em equações cerebrais, mas requer ímpeto, improvisação, arrojo, sobretudo alegria.
Com essa filosofia triste, estilo acabrunhado e obsessão em defender, não adianta passar o esparadrapo na boca dos atletas que se rebelam. O problema do São Paulo não é a falta de disciplina.
Chico Buarque, numa belíssima canção, diz que o futebol é "a emoção da idéia quando ginga". É essa emoção e essa ginga que estão faltando ao covarde tricolor.
*
Há duas imagens recentes que não se apagam da minha memória. A primeira é de Viola, um pouco acanhado, beijando a camisa do Palmeiras ao ser apresentado à torcida. A segunda é de Bebeto, com a sua cara de bebê chorão, beijando a camisa do Flamengo ao fazer o gol contra o Botafogo.
Em ambos os casos, a sensação é que os atletas estavam beijando um punhado de dólares e não o símbolo de um clube. Já que o futebol virou um grande negócio, seria preferível que aqueles que trocam de time deixassem de simular um "amor à camisa" postiço.
Em respeito à paixão dos torcedores, essa sim sincera, os jogadores poderiam levar em conta o código de ética que pauta a conduta das prostitutas: aqui, meu bem, vale tudo, menos beijo na boca.

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