São Paulo, sábado, 28 de setembro de 1996
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Hipocrisia oculta estética da fome no futebol

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Recurso usual no embate retórico é um dos oponentes se apropriar do interesse formal do outro, fragilizando a argumentação do interlocutor.
Dirigentes de clubes têm alardeado, com insistência, que a extinção ou flexibilização do passe seria trágica para os jogadores de futebol: disseminaria o desemprego e achataria os salários.
É um argumento de cunho social que, se legítimo, desautorizaria os sindicatos a defenderem mudanças imediatas na legislação -a despeito de nobres intenções, elas tornariam ainda mais difícil a já dura vida dos atletas.
Alguns cartolas juram não se angustiar com seus clubes, tigres de papel com milhões de torcedores, mas com os jogadores de província, que sucumbiriam ao fim do passe.
Mas o que teria feito a situação da mão-de-obra do futebol se transformar em preocupação dos grandes senhores do esporte?
O quadro vai mesmo piorar? Em tese, poderia, não fosse o cenário de estética da fome em que a maioria dos atletas sobrevive. Pior do que está é difícil ficar.
No começo do ano, havia cerca de 12 mil registros de jogadores em vigor na CBF.
Num levantamento concluído neste mês, o número ficou em torno de 8.000. Ou seja: um terço dos jogadores empregados em janeiro não está mais trabalhando.
A culpa é da nova legislação do passe, que ainda não vigora, ou do calendário mantido pelos próprios clubes, que deixa a maioria deles sem atividade durante muitos meses?
A indigência é mais grave do que as estatísticas indicam. O São Cristóvão, com 28 atletas registrados, não paga há meses o salário mínimo de cada jogador. É só um exemplo de um clube do subúrbio carioca.
E qual é a realidade do mercado em que os clubes dizem temer pela sobrevivência dos assalariados?
O último censo do futebol, realizado pela CBF, mostra que 77,7% dos atletas do país recebem até dois salários-mínimos. A elite que embolsa mensalmente mais de dez mínimos reúne minguados 6,4%.
O retrato social do futebol real não são os ídolos milionários com seus carrões importados, mas jogadores como os do Esporte Clube Pelotas (RS), no extremo sul do país, que vão para o trabalho de ônibus.
É preciso ainda mais hipocrisia do que a manifestada até agora para os clubes explicarem em que o direito a trabalhar onde quiser, sem se submeter às chantagens nas negociações salariais com os proprietários de seus passes, vai prejudicar os jogadores.
Como todos são livres para sofismar, aguardemos, pois.
*
Na segunda-feira, a partir das 14h30, a jornalista Cláudia Mattos defende sua dissertação de mestrado na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no campus da Praia Vermelha (Urca, zona sul do Rio).
O título é "Quatro ases e um curinga: uma mitologia carioca do futebol".
*
O lamentável destempero de Ana Paula não vai trazer de volta a justa vitória que as cubanas conquistaram na quadra em Atlanta. A medalha de ouro ficou em ótimas mãos.

Matinas Suzuki Jr., que escreve às terças, quintas e sábados, está em férias

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