São Paulo, segunda-feira, 30 de setembro de 1996
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O vilão da história (1)

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Devo ser mau cidadão e péssimo munícipe. Se alguma dúvida tinha a respeito, sumário exame de consciência e a carta que me chegou semana passada dão-me uma das poucas certezas a que me habilito. Não me incluo -nem posso ser incluído- naquilo que o missivista em caixa alta chama de "cidadania".
Não chego a depredar o meio ambiente, a poluir florestas e rios, nem atiro pontas de cigarro pelas janelas. Minha exclusão do povo eleito deve-se ao fato de não me ter interessado pelas eleições municipais deste ano. Direi mais: de nenhuma eleição, municipal ou não, deste ou de qualquer outro ano passado ou futuro.
Tenho algumas lembranças pessoais para não me considerar um adepto das ditaduras. Contudo, recuso-me a ser um fanático do sistema eleitoral. Acho que, como em outras atividades humanas, a solução ideal ainda não foi encontrada. Não considero o povo como o vilão da história. Geralmente, ele faz o papel de mártir, às vezes de cúmplice. Mas sua voz não é a de Deus -que não existe.
Acho que já contei essa história e vou contá-la mais uma vez. Anos atrás, vim de uma viagem e trouxe um disco editado pela Mondadori com músicas e vozes de um período da Itália: 1935-1945. Lá em casa, reuni Ênio Silveira, Jorge Zahar e Paulo Francis para ouvirem a preciosidade. Mussolini declarando guerra aos aliados, o povo na Piazza Venezia urrando de alegria. Hitler comunicando que invadiria a União Soviética - o povo berrando de entusiasmo. O cardeal camerlengo anunciando a eleição de Pio 12 -o povo chorando de emoção na Piazza San Pietro.
Outras vozes menores em praças também menores fazendo coro às causas de circunstância. Causas que custaram milhões de mortos e não melhoraram o homem. Foi então que o Paulo pronunciou a frase: "O povo é o vilão da história" (Amanhã tem mais. Aguardem as cenas do próximo capítulo).

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