São Paulo, sexta-feira, 3 de janeiro de 1997
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A crise da Justiça, o cidadão e a economia

MAILSON DA NÓBREGA

A crise do Judiciário está presente em muitos países, inclusive naqueles política e economicamente maduros. É geral o clamor por uma Justiça eficaz, rápida, barata e acessível.
No Brasil, a percepção da crise é recente e ainda circunscrita a poucos. Felizmente, já é admitida às claras nos mais altos níveis da magistratura.
O Conselho de Reforma do Estado acaba de reconhecer que "o congestionamento de demandas no Poder Judiciário é, atualmente, o principal fator de negação de acesso à Justiça para a grande maioria dos cidadãos".
"Por sua gravidade", diz ainda o conselho, "os problemas que afetam a eficácia e a rapidez da prestação jurisdicional deixaram de ser matéria que diga respeito exclusivamente à magistratura, aos advogados e aos membros do Ministério Público".
Há também a preocupação com o crescimento das despesas de pessoal do Judiciário a partir de 88 (cerca de 400% em termos reais). Uma parte do processo é consequência da necessária autonomia financeira que lhe foi atribuída pela Constituição.
A outra parte se explica por dois fatores: (1) a reestruturação do Judiciário pela mesma Constituição e (2) a ampliação das demandas, diante da democratização, da urbanização, da instabilidade das regras e do maior exercício da cidadania.
A crise do Judiciário também se agravou em virtude de suas notórias carências materiais, da dificuldade de recrutar bons juízes e da baixa relação entre o número de magistrados e a população.
Seja como for, a morosidade, a imprevisibilidade e a dificuldade de acesso elevam os custos indiretos da Justiça. Por serem estes difusos, ficam despercebidos. Chamam mais a atenção os referidos gastos de pessoal.
O mau funcionamento da Justiça gera insegurança nos indivíduos e nas empresas. Aumenta os custos de transação da economia. Abre campo para o desrespeito aos contratos e para ações oportunistas dos que se fiam nas imperfeições e na demora dos julgamentos.
Na Justiça do Trabalho, o anacronismo é enorme. Seu uso compulsório para resolver conflitos trabalhistas, típico do seu marcante paternalismo, é incompatível com o visível amadurecimento das relações entre o capital e o trabalho.
A crise tem, portanto, sérias implicações na sociedade e na economia. Nega direitos essenciais da cidadania. Inibe o desenvolvimento. Falhas na proteção aos direitos de propriedade interferem nas decisões de investir e estimulam o uso ineficiente dos recursos.
A solução para esses e outros problemas do Judiciário não será fácil nem rápida. Será preciso reorganizar sua estrutura, reduzir o excesso de instâncias, rever os arcaísmos processuais e evitar os exageros da atividade recursal. É tarefa ciclópica, que exigirá muita reflexão, vontade política e paciência.
Já existem alternativas em debate. Uma que pode ser rapidamente introduzida é o efeito vinculante da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que julga o incrível número anual de 35 mil processos, mais de 80% mera repetição de decisões anteriores.
O Juizado de Pequenas Causas deve ser estimulado ao máximo. Na área trabalhista, caberia abandonar a visão tutelar do Estado Novo, permitindo a liberdade contratual.
Há que quebrar o monopólio judiciário do Estado. As partes têm condições de resolver suas disputas mediante caminhos como a mediação e arbitragem. É hora de perceber que a sociedade pode cuidar de seus próprios interesses.
É preciso, assim, buscar soluções extrajudiciais para descongestionar a pauta. Grande parte dos processos nem sequer se teria iniciado caso fosse obrigatória, a exemplo de outros países, a tentativa de conciliação antes do ingresso no Judiciário.
A lei que criou o juízo arbitral é outra saída. Queira Deus que a visão idealista (ou corporativista) de procuradores e juízes não a ameace, como querem alguns que sustentam sua suposta inconstitucionalidade.
A reforma da Justiça tornou-se uma questão prioritária. Evitará que a intolerância social com os efeitos da crise acarrete indesejável desprestígio do Poder Judiciário.
Aumentar a eficácia da Justiça é contribuir para o seu fortalecimento, essencial para a democracia, o Estado de Direito e a economia de mercado.

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