São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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BC acelerou o câmbio

CELSO PINTO

O Banco Central descarta, com irritação, qualquer argumento de que o câmbio está sobrevalorizado. Na prática, contudo, vem desvalorizando o real mais do que precisaria se realmente achasse que o câmbio está correto.
Os números de 1996 são claros. A aceleração da desvalorização cambial fica ainda mais expressiva se for considerado apenas o segundo semestre desse ano.
Existem várias maneiras de medir a competitividade da moeda e muita discussão entre os economistas sobre a mais adequada. Grosso modo, a desvalorização deveria compensar o aumento dos custos internos (nossa inflação) e descontar o aumento dos custos de produção dos nossos parceiros comerciais (inflação deles).
O diretor da Área Externa do Banco Central, Gustavo Franco, defende a idéia de que o melhor indicador do aumento nos custos industriais é o IPA-Industrial. Seguindo esse critério, a desvalorização em 96 foi expressiva, de 3%: enquanto o real foi desvalorizado frente ao dólar em 6,88%, o IPA-Industrial subiu apenas 3,8%.
Para fazer as contas corretamente, seria preciso descontar a variação do custo dos parceiros externos. A variação dos preços industriais nos Estados Unidos (PPI), nosso maior parceiro, foi de 2,87% no ano passado. Considerando essa variação, a desvalorização da moeda brasileira chegou a 5,95%, pelo menos frente à concorrência do produto americano.
Muitos economistas discordam de Franco e argumentam que o custo das exportações embute também preços captados por índices de custo de vida, como o da Fipe. Comparando a desvalorização de 6,88% com a provável variação de 10% da Fipe no ano passado, teria havido uma valorização de 3,12%. Descontando-se, porém, a variação do PPI americano, as contas ficam quase empatadas.
O IGP medido pela Fundação Getúlio Vargas é um índice misto: embute preços por atacado e custo de vida. Alguns economistas o consideram, por essa razão, um bom parâmetro para comparação com o câmbio.
Tomando o IGP-M, que variou 9,19% no ano passado, o câmbio de 6,88% e descontando o PPI americano de 2,87%, teria havido uma pequena desvalorização real, acima da inflação.
O ano de 1996, contudo, pode levar a falsas conclusões. A inflação geral foi mais pressionada no primeiro semestre, como reflexo de aumentos de tarifas públicas. No segundo semestre, ela despencou. Mesmo assim, o BC manteve praticamente inalterada sua política de desvalorização cambial.
Olhando o comportamento do segundo semestre, fica ainda mais clara a intenção do BC de acelerar o câmbio. A desvalorização ficou em 3,48%, enquanto a Fipe ficou em 2,79%, o IGP-M, em 2,87%, e o IPA-Industrial, em 2,69%. O câmbio, portanto, ficou acima de todos os índices de inflação.
Fica ainda mais fácil visualizar o comportamento se os índices forem anualizados. Nesse caso, o câmbio ficou em 7,08%, enquanto a Fipe ficou em 5,65%, o IGP-M, em 5,84%, e o IPA-Industrial, em 5,44%. Ou seja, em termos anuais, o câmbio correu algo como 1,6% mais rápido no segundo semestre do que os preços. Se descontarmos a variação do PPI americano no segundo semestre anualizada (3,5%), a desvalorização real subiria para 5%.
Se esse mesmo tipo de exercício for feito para o último quadrimestre, os resultados são ainda mais expressivos em relação à variação dos índices de custo de vida: o câmbio anualizado (6,78%) correu duas vezes mais rápido que a Fipe (3,37%) e o IGP-M (3,72%).
Tudo isso quer dizer que o BC está, sim, preocupado com o câmbio. Embora, na verdade, a aceleração recente do câmbio tenha compensado apenas uma pequena parte da valorização ocorrida desde o início do Plano Real.
Desde julho de 94, quando começou o Plano Real, o câmbio foi desvalorizado em apenas 3,94%, enquanto os preços medidos pela Fipe subiram 60,26%, os pelo IGP-M, 46,5%, e os pelo IPA-Industrial, 21,68%.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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