São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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Técnico da Itália ataca 'torneio metrô'

ALBERTO COSTA
DO "CORRIERE DELLA SERA"

Neste momento de contradições e indefinições italianas, as pessoas querem simplicidade. Até no futebol. E Cesare Maldini, 64, novo técnico da seleção italiana, é um homem simples.
"Não posso fazer revoluções", diz. As suas escolhas nascerão, assim, do bom senso que o mantém longe de radicalismos.
Maldini criticou o excesso de estrangeiros no Campeonato Italiano. "Fica difícil trabalhar assim."
Uma de suas prioridades é restabelecer a simpatia do torcedor italiano pela "azzurra", uma relação que ficou abalada sob o comando do experimentador Arrigo Sacchi.
O técnico defendeu ainda a presença de seu filho Paolo (lateral-esquerdo do Milan) na seleção, apesar das críticas que o jogador vem recebendo no clube.
*
Pergunta - O que mudará na sua Itália?
Cesare Maldini - Não farei revoluções, se esse é o objetivo da pergunta. Não tenho condição de fazer isso. Uma coisa é assumir uma seleção depois de uma Copa ou de um Campeonato Europeu: você tem dois anos para trabalhar. Outra coisa é pegar o bonde andando.
Pergunta - O que há de errado na relação entre a seleção e os torcedores italianos?
Maldini - Provavelmente surgiu alguma antipatia. Isso é um problema. Quando eu treinava a seleção sub-21, me diziam que o time era simpático.
Não sei que sensação essa equipe transmitia pela TV. Mas sei que a seleção principal sempre teve um enorme apoio popular. É desse apoio que vou precisar quando chegar os momentos difíceis. As pessoas devem entender que hoje é muito difícil montar uma boa formação.
Pergunta - Qual o problema do futebol italiano?
Maldini - Na época da Copa de 1990, havia entusiasmo, um bom time e bons reservas. Hoje vejo um bom grupo, mas que é carente na defesa e no meio-campo. Atualmente, as principais equipes italianas usam jogadores estrangeiros nas posições estratégicas.
São exceções o Milan, com Albertini, e o Parma, com Dino Baggio. A Juventus, fora Conte, tem só estrangeiros.
Pergunta - A fantasia no futebol está definitivamente enjaulada?
Maldini - No futebol de hoje é preciso ter fantasia e ser corredor ao mesmo tempo. As duas coisas são inseparáveis.
Pergunta - Surgem disso as dificuldades de Roberto Baggio, por exemplo?
Maldini - Nesse futebol todo força física e corrida, gente como Baggio e Zola acaba sofrendo. Mas há também uma falta de renovação na Itália. Há quantos anos se fala de Baggio?
Pergunta - Com base na sua experiência na seleção sub-21, o sr. vê um futuro pouco promissor para o futebol italiano?
Maldini - Há estrangeiros demais nas posições importantes. Assim que surge um problema, os times vão ao exterior. Aqui a cada 36 horas chega alguém de fora, parece uma estação de metrô. Além disso, os riscos de uma crise de identidade são grandes. Antigamente as crianças sabiam tudo do campeonato comprando as figurinhas. Hoje, você acha a figurinha de um jogador e o dia seguinte descobre que ele se transferiu para a Inglaterra.
Pergunta - Muitos técnicos de juvenis copiaram Sacchi (Arrigo, ex-treinador do Milan, da Itália, hoje de volta ao Milan) e falam muito de táticas, mas os jovens não sabem nem receber uma bola direito.
Maldini - Um grande mestre do futebol como Liedholm (o sueco Nils Liedholm, ex-treinador) obrigava até os jogadores campeões a exercitarem os fundamentos. Se um pianista dedica de seis a sete horas por dia para aprimorar sua técnica, não vejo porque um jogar deva se concentrar na força física.
O Milan de Sacchi era um coquetel de jogadores extraordinários, que não se repetirá mais. Muitos treinadores tentaram repetir as suas idéias nos juvenis. Foi um erro. Esses, porém, são os efeitos negativos dos modismos.
Claro que o futebol deve evoluir, mas há regras das quais não se pode prescindir. A mais importante diz que é preciso deixar espaço para a habilidade e a fantasia.
Pergunta - Seu filho, Paolo, parece ter perdido a exuberância do passado.
Maldini - Quem disse? Paolo continua jogando em alto nível. Para a seleção, conto com ele.
Pergunta - Mancini (atacante da Sampdoria) voltará?
Maldini - Ele teve suas chances de jogar, com Vicini e depois com Sacchi. Foi ele que pediu para sair.

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