São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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Diccionario de Bolso do Almanaque Philosophico Zero à Esquerda

O conteúdo normativo da Modernidade - "Eu me sinto à vontade para executar o programa de centro-esquerda, social-democrata, que é o horizonte do Governo Collor". Sérgio Paulo Rouanet, Folha, 19/7/92.

O testamento socrático de Hannah Arendt - "Sirvo a República ao participar do Governo Collor, pois tenho a convicção de que seu projeto de reconstrução e modernização do país, dentro do respeito às leis, às liberdades e às garantias individuais é o que nos levará tanto ao desenvolvimento e à justiça social, quanto à plena consolidação das instituições democráticas." Celso Lafer, Folha, 19/7/92.

"Maluco dedutivista" - Qualquer indivíduo que chegar à conclusão insana de que o capitalismo não tem mais nada a oferecer à humanidade (v. Militante imaginário). Sujeito mal intencionado (v. Processo de intenção).

Revolução Copernicana - 1) "o desenvolvimento econômico é o outro nome do aumento da produtividade" (Kant); 2) "comércio que por mar se faz, marítimo se lhe o chama" (Farias Brito).

Cultura da culpa 1 - Calúnia e difamação contra os ricos, maquinadas por solertes militantes imaginários (v. Militantes imaginários) mancomunados (v. Mancomunados) com malucos dedutivistas (v. "Malucos dedutivistas") e moralistas politicantes (v. "Moralistas politicantes"). Estudos recentes encomendados pela Área Externa do Banco Central demonstraram que a situação miserável de grande parte da população brasileira se deve à baixíssima produtividade dos pobres, cabendo logicamente (v. Lógica) a maior parte da renda nacional aos setores cujos indicadores de produtividade atestam a racionalidade econômica do empuxe individual (v. "Empuxe individual") de seus integrantes com melhor inserção na utopia possível. Idéia antecipada em artigo pioneiro pelo real autor do conceito: "Está definitivamente superada a 'cultura da culpa' (...) como se houvesse uma relação de causa e efeito entre a riqueza de uns e a pobreza de outros". Folha, 25/10/92. Daí o axioma: "Os pobres são os principais inimigos de si mesmos", destinado a conhecer um glorioso futuro científico.

Cultura da culpa 2 - "Eu não sou daquela turma que considera que nós somos apenas vítimas dos países que se deram bem. Não. Acho que nós somos um povo que não conseguiu criar uma nação saudável, robusta e afirmada. Eu não quero pôr a culpa nos outros por inveja, porque eles se desenvolveram bem. Não. Eu adoro os americanos, os EUA. Admiro muito. Mas acho que nós somos diferentes e podemos fazer uma coisa melhor do que os americanos fizeram." Caetano Veloso, Folha, 7/10/94.

O mundo sem culpa - "Eu ontem, lá onde eu estava, assisti um filme sobre o Caetano Veloso -e ao falar do Caetano, eu falo de todo o mundo cultural, dos que me prestigiaram votando em mim, e dos que não votaram, mas que eu devo prestigiá-los, se aqui posso. O prestígio deles, às vezes, é muito maior do que o meu, e que o Caetano afinal dizia coisas bastante tocantes, dizendo que ele sentia, embora fosse ele pessoalmente cético como pessoa, que ele achava que o Brasil tinha algo importante a oferecer como diferença no mundo. Diferença não quer dizer antagonismo, quer dizer peculiaridade, coisa própria. Nós temos um jeito próprio." Fernando Henrique Cardoso, Folha, 7/10/94.

Vitória do realismo - "A pergunta não é retórica: o que é, o que significa uma cultura nacional que já não articula nenhum projeto coletivo de vida material, e que tenha passado a flutuar publicitariamente no mercado por sua vez, agora como casca vistosa, como um estilo de vida simpático a consumir entre outros? Essa estetização consumista das aspirações à comunidade nacional não deixa de ser um índice da nova situação também da... estética. Enfim, o capitalismo continua empilhando vitórias." Roberto Schwarz, "Fim de século", Folha, 4/12/94.

Metacrítica da Razão Instrumental - "A cegueira que se atribui ao capitalismo me parece ter raízes mais profundas. O capitalismo é apenas a face exposta do triunfo da razão instrumental que está na essência da modernidade (...). Não é à toa que temos grandes dificuldades em definir o papel do Estado. Como fazê-lo, se a grande vítima da razão iluminista foi a compaixão e o espírito comunitário?" "A Bolha Financeira e o Pêndulo Acaciano", co-edição Matrix/Opportunity.

Welforstate - Estado de Compromisso (v. Era Vargas). Em extinção na Europa. Em estado de euforia no Brasil.

Sociedade transparente - Um mito, denunciar (v. Paris, anos 70). Exemplo: "A nova postura implica abandonar velhos conhecidos. Em primeiro lugar, a idéia, tão cara às esquerdas, de que se pode reformar a sociedade de cabo a rabo". J.A. Giannotti, "O Estado de S. Paulo", 2/11/96 (v. De cabo a rabo).

De cabo a rabo - Diz-se da espiral ascendente de um tête-à-tête de gigantes, como a polêmica Alencar-Nabuco. Exemplo: "De rabo para o leitor", J.A. Giannotti, Folha, 5/3/96; "De rabo para o poder", Otavio Frias Filho, Folha, 7/3/96 (v. Ricos entre si).

Ricos entre si - A Cena Primitiva do Ajuste. Costuma ser representada ora às costas, ora na cara, mas sempre às custas do elo mais fraco. Exemplo: "E que discussão pode haver agora que o antigo professor (Giannotti), outrora ensaísta independente e crítico, atribui-se papel de papagaio de pirata do candidato a Fujimori local? (...) Um intelectual que apóia o governo, qualquer governo, virou propagandista, acólito, bajulador, tudo menos intelectual (...) Quanto a Giannotti, que encene a 'trabalheira' do novo cargo, agora que está confirmado no posto que realmente sempre almejou, o de Chalaça de Sua Majestade, o presidente perpétuo do Brasil". Otavio Frias Filho, Folha, 7/3/96. "O que importa salientar na resposta que a Folha de S. Paulo (sic) me deu é que toda ela visou anular minha legitimidade como intelectual (v. Processo de intenção), como se eu não passasse de um sabujo do poder. Não estou pretendendo, ao citar esse caso antigo, reviver polêmicas e ressentimentos já superados, mas tão só salientar a continuidade na forma da crítica. No fundo (v. Forma) não é a mesma coisa que me faz Paulo Arantes?" J.A. Giannotti, "O Estado de S. Paulo", 2/11/96. (Nota: O saudoso Vicente Matheus enviou na ocasião carta ao "Painel do Leitor", explicando ao filósofo que "papagaio de pirata", "Fujimori local", "acólito", "bajulador", "chalaça" e assemelhados deveriam ser entendidos num sentido eminentemente figurado.)

Amálgama - Método lógico-jurídico aperfeiçoado pelo promotor Vischinski nos processos de Moscou. Exemplo: "Mas para que rigor (v. "Uma certa tendência ao insulto"), quando o interesse é desqualificar o meu ou qualquer trabalho filosófico, na base de processos de intenção? (v. Síndrome de deslegitimação; neo-parvenu). Valem o esquema abstrato e a intuição profunda, apresentados numa simples conversa, em que o autor, como se estivesse numa pizzaria, dialoga com suas próprias imagens no espelho (...). O exemplo mais teratológico, entretanto, vem de Ruy de Fausto, cuja mania há mais de 30 anos consiste em me acusar de ter plagiado suas idéias". J.A. Giannotti, "A beca chifruda" (siiic!), "O Estado de S. Paulo", 2/11/96.

Dez mil metros acima do Brasil - "No avião leio uma entrevista com Ruy Fausto (v. Ruy Fausto), imensa, na Folha, descrito como marxista insigne. Deve ser um bom sujeito. Depois de dar 'n' voltas em cima do muro, Fausto aconselha a companheiros marxistas de São Paulo a não aceitar empregos no governo Fernando Henrique. Sabe o que está pedindo? Que um brasileiro recuse convite a cargo público? Fausto cita um certo Arantes, em que dá leve puxão de orelhas, por ter caído em tentação de ser funcionário público. É outro marxista ilustre." Paulo Francis, "O Estado de S. Paulo", 17/10/96 (v. Um certo Arantes).

Um certo Arantes - 1) Reducionista da Escola Mecanicista. Frequentou os maiores espíritos do seu tempo. Completamente ultrapassado e decadente. O mesmo autor que nos deu quando jovem um Hegel promissor, não se peja hoje de publicar um livro de diálogos no qual se transcreve até uma ida ao banheiro. "Silêncio no Butantã", chegou a pedir um pró-reitor sinceramente consternado. ("O Estado de S. Paulo", 23/11/96). Vive atualmente de pizzaria em pizzaria (v. Pizzaria); 2) "O Paulo Francis da filosofia brasileira" (Giannotti) (v. Dez mil metros acima do Brasil); 3) "Pior que ACM" (Giannotti) (v. Ricos entre si); 4) Autor deste modesto "baedeker" do Ajuste Intelectual.

Painel do Leitor
Buemba! Buemba! - "Querem anular a minha legitimidade." (Tucano Simão, São Paulo, SP)

Bicho solto - "A dialética está solta nas ruas." (Coronel Erasmo Dias, São Paulo, SP)

Minidialética, sim senhor! - "Total impaciência do conceito. A dialética da brecha e do buraco ainda não está resolvida. De qualquer forma, dando buraco ou brecha, alguém entrará pelo cano." (Ferdinando Fernandes, Rancharia, GO)

Almanaque Zero à Esquerda ou Almanaque FSP? - "Constato com desprezo que o rancor está de volta. Recaída insidiosa desta Folha em sua antiga linha editorial, niilista, antropofágica, cínica? Confio firmemente que não. Num país bem ajustado, o jornalismo de deslize não tem vez. No que depender de mim, continuará sendo apenas uma estrelinha no céu. Pelo que vejo, horrorizado, os caçadores de tropeços agora são outros. (...) Comete o dicionarista anão -só pode ser de bolso a infeliz obra de um pigmeu- um duplo e mortal erro, de lógica e de classe. Não é novidade: à esquerda, chafurdar no bas-fond das pequenas causas é prática sistemática e trivial; enquanto, do nosso lado, o cochilo pode até ser homérico ("et pour cause"), mas será sempre um deslize da própria Razão, fatigada de tanto deblaterar com os encalacrados de um exercício histórico findo. (...) Acresce que os desvios dos seres racionáveis só parecem tais ao olhar subalterno dos catões. (...) Em boa lógica, vale menos a pureza sublime da imarcescível regra, que a ninguém é dado seguir, do que o erro na sua carnação ebúrnea. (...) Só o deslize apresenta o mundo e solda a rede social pressuposta. (...) O ajuste veio nos humanizar." (Brigadeiro E. Gomes Freire de Andrade, idealizador da Esquadrilhada Fumaça, São Paulo, SP)

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