São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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A potência contida de Augusto Monterroso

MOACYR SCLIAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

vencido por Nélida Piñon) a Augusto Monterroso representa uma dupla consagração: ao escritor e à forma que ele desenvolveu quase à perfeição.
Monterroso nasceu em 1922, na Guatemala, mas, como muitos escritores latino-americanos, cedo teve de exilar-se; após o golpe que derrubou o presidente Jacobo Arbenz em 1944 foi para o México, onde fez numerosos amigos entre os intelectuais e trabalhou como professor. Respeitado por sua coerência, tornou-se uma figura carismática e respeitada. Sua obra, que consta de ensaios e narrativas, é relativamente pequena, e inclui títulos como "La Oveja Negra y Demás Fábulas", "Movimiento Perpetuo", "Lo Demás es Silencio", "Viaje al Centro de la Fabula", "La Palabra Mágica", "La Letra E". Não há antologia do conto latino-americano que não inclua seus relatos, e foi por eles que Monterroso se tornou especialmente conhecido. Nesta forma, que já é sintética por definição, busca o extremo da economia e da concisão. Um dos ensaios de "Movimiento Perpetuo", ironicamente denominado "Fecundidade", se reduz a uma linha: "Hoje me sinto bem, um Balzac: estou terminando esta linha". Ou seja: a energia que o romancista francês usou para produzir a sua copiosa obra é a mesma que Monterroso usa no esforço da contenção.
Fábula é, como se viu, uma expressão que aparece muito na autodefinição de seu trabalho. Não há dúvida de que Monterroso é um herdeiro de Esopo, La Fontaine, dos grandes fabulistas; mas suas raízes mergulham mais fundo, e podemos ver em seus textos a influência da parábola bíblica, as pequenas histórias que aparecem tanto no Antigo Testamento como, sobretudo, na pregação de Jesus ao povo. Mateus 13:10-11: "Os discípulos vieram e lhe perguntaram, por que lhes falas em parábolas? (...) Porque a vós foi dado conhecer os mistérios do reino dos céus, a eles não". Ou seja: a parábola teria uma função pedagógica, uma função que a Augusto Monterroso, o ativista político, não desagradaria. Mas Monterroso não é um doutrinador. Este escritor para quem existem apenas três temas, o amor, a morte e as moscas (um de seus projetos: uma antologia universal da mosca) é irônico o suficiente para resistir à tentação do panfleto, mesmo porque "os problemas do escritor não são sempre, como às vezes se pensa, de desenvolvimento ou subdesenvolvimento do país em que vive, de riqueza ou de pobreza" ("Movimento Perpetuo").
Na perpétua busca da síntese, Monterroso está em muito boa companhia. Tem evidentes afinidades com dois escritores que cita frequentemente: Kafka e Borges. Borges, poeta e contista, organizou várias antologias de textos curtos; quanto a Kafka, para ilustrar sua maestria na brevidade basta evocar "Leopardos no Templo": "Leopardos irrompem no templo e sorvem até o fim o conteúdo dos vasos sagrados. Isto se repete de novo e de novo. Finalmente, pode ser previsto com antecipação e torna-se parte da cerimônia".
O pintor japonês Hokusai dizia que seu sonho era chegar a uma culminância de sua arte em que cada ponto, cada traço, adquirisse vida. Um propósito que é compartilhado por muitos contistas: Dalton Trevisan queria reduzir seu texto à proporção do haicai. Monterroso o faz com um conto que, paradoxalmente chama-se "O Dinossauro", e que, como "Fecundidade", tem apenas uma linha: "Quando despertou, o dinossauro ainda estava ali".

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