São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cronkite relata os bastidores da notícia

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O livro de não-ficção mais vendido atualmente nos EUA são as memórias de Walter Cronkite, o jornalista que durante décadas personificou a honorabilidade no país.
Antes dele, só talvez Ed Murrow tenha desfrutado de tanto prestígio entre os da sua profissão. Depois, ninguém. Cronkite praticamente criou a posição de âncora no telejornalismo e a ocupou na rede CBS de TV entre 1962 e 1981.
Foi por meio dele que os norte-americanos ficaram sabendo dos assassinatos de John e Robert Kennedy, da chegada do homem à Lua, da Guerra do Vietnã, do escândalo de Watergate.
Ele era capaz de chegar quase às lágrimas ou de se comportar como uma criança diante das câmeras em situações que o emocionassem muito (a morte do presidente em Dallas) ou o entusiasmassem demais (a missão Apolo 11).
Mas, em geral, ele era frio, preciso, correto na transmissão das notícias.
Acima de tudo, Cronkite transpirava credibilidade. Ninguém poderia duvidar de uma palavra proferida por ele. O olhar, a expressão corporal, o controle da voz, tudo fazia com que as pessoas acreditassem no que ele dizia.
"A Reporter's Life" (A Vida de um Repórter, Knopf, 384 páginas, US$ 26,45) é um livro de impressões. Começa em 1948, quando o correspondente da agência UPI em Moscou fica sabendo que vai ser pai pela primeira vez.
A honestidade de Cronkite o faz avisar os leitores logo no início: muitos dos diálogos descritos foram recriados a partir de sua memória dos fatos por ele vividos. Este livro não é uma de suas reportagens. Não reivindica a precisão que o caracterizou. É só o relato de lembranças. Mas, como os textos que ele lia no ar, é muito bem escrito. Cativa, impressiona, emociona.
Ninguém foi mais influente no jornalismo norte-americano. Diz a lenda que em 1968, depois de ter ouvido Cronkite ler um editorial contra a participação dos EUA na Guerra do Vietnã, o então presidente Lyndon Johnson deu um murro no aparelho de TV da Casa Branca e gritou: "Se eu perdi Cronkite, eu perdi a classe média americana".
É difícil afirmar se foi naquele momento que o grosso da opinião pública dos EUA passou a combater a presença norte-americana no sudeste asiático. Mas, sem dúvida, aquele foi um marco decisivo do início da derrota do governo no seu front interno.
Aos 80 anos, ele continua ativo. Produz e apresenta diversos documentários especiais para a rede pública de TV e liderou a bem sucedida campanha para oferecer tempo gratuito a candidatos presidenciais na eleição de novembro passado (depois que ele subscreveu o pedido, todas as grandes redes resolveram aderir ao movimento antes só endossado pela Fox, a menor delas).
Cronkite estudou jornalismo na Universidade do Texas mas não terminou o curso porque começou a trabalhar para o diário "Houston Post". Cobriu a Segunda Guerra Mundial na Europa e o julgamento de Nuremberg para a UPI e com ela seguiu para Moscou em plena Guerra Fria.
Em 1950, fez a mudança de emprego que definiu sua vida. Assinou com a CBS, na época a indiscutível líder de audiência entre as emissoras de TV do país, e se especializou na cobertura de política nacional até chegar à posição de apresentador do principal telejornal da casa, o "CBS Evening News", e conceber o âncora.
Suas memórias se dividem em duas partes: a primeira, mais interessante, são as recordações pessoais, os bastidores das reportagens que marcaram a segunda metade deste século. A segunda são opiniões sobre grandes temas públicos nacionais, em particular a influências dos meios de comunicação sobre eles.
Aí, não há grandes novidades. Como sempre fez no passado, Cronkite reflete com precisão o sentimento médio do norte-americano sobre os assuntos. Esta foi a sua maior virtude, a razão de ser do seu sucesso, e continua sendo.
Cronkite nunca foi tão bonito quanto Tom Brokaw, nem tão refinado quanto Peter Jennings, muito menos tão audacioso quanto Dan Rather, os três principais âncoras dos EUA na atualidade (NBC, ABC e CBS, respectivamente). Mas superou a todos por saber identificar e expressar os sentimentos da classe média.

Texto Anterior: Frio de Londres muda planos de irmãos cariocas
Próximo Texto: TRECHOS
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.