São Paulo, domingo, 5 de janeiro de 1997
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Regina Casé fez o Brasil de 96 mais legal

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus.
Depois todos morrem".
Quem está lembrado dessa passagem inesquecível, logo nas primeiras páginas do "Serafim Ponte Grande", de Oswald de Andrade?
Por uma dessas razões difíceis de explicar, foi esse trechinho solto do nosso escritor genial e tão pouco lido que fiz puxar da memória depois de ver o último "Brasil Legal" do ano findo de 96, programa mensal apresentado por Regina Casé dentro da "Terça Nobre" global.
Foi um programa, como escreveu Drummond naquele "Poema de Sete Faces", daqueles que "botam a gente comovido como o diabo". E, se a gente recorre à melhor literatura para nos aproximarmos dele, não é por diletantismo boboca; é porque o "Brasil Legal" de Regina Casé foi mesmo uma obra que, de tão boa, nem parecia ter alguma coisa a ver com o mundo tão pobre, coitado, da nossa televisão.
Para quem não viu, alguém que viu direitinho diria que foi uma "reportagem sobre a saudade". Saudade do Brasil, saudade da Itália, saudade da vida "que poderia ter sido mas não foi". Mas foi, sim.
Um jornalista isento diria apenas que foi um programa sobre a Itália e o Brasil, cheio de histórias de imigrantes, vidas partidas ao meio pelo oceano Atlântico, famílias que começaram lá, continuaram aqui, deixando restos silenciados e perdidos pelo caminho.
O "Brasil Legal" foi recolhendo essas vidas pelas bordas, puxando o fio de várias histórias, todas comoventes, que acabaram compondo um único retrato em que cada um de nós se reconhece.
Regina Casé parece ter o dom de sempre pegar as coisas pelo lado certo. Consegue ser carinhosa sem cair no piegas, debochada sem ser agressiva, curiosa mas nunca inconveniente. Ela sempre cava o que há de mais revelador em cada pessoa, em cada situação, em cada detalhe que nos passaria despercebido.
É verdade que a qualidade do "Brasil Legal" também deve muito à mão de Guel Arraes e seu grupo, responsáveis por uma renovação formal que não encontra paralelo na TV brasileira.
A Globo deveria reprisar o programa sobre a Itália. Foi um dos grandes momentos da TV no ano passado, uma exceção à pasmaceira a que nos acostumamos.
Regina Casé cantando "Volare" num campo florido da Itália parecia uma camponesa tropicalista. Foi impagável.
Saudades do Brasil.

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