São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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Fábula da va(c)ca que re(z)za

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Havia, há muito tempo, um partido político puro. Chamava-se PT. Era tão puro, mas tão puro que enxergava a si mesmo como um cavalo de raça. E, à sua volta, não via senão porcos e lama.
Por sorte o que se prometeu no título foi uma fábula e não um conto de fadas à Branca de Neve. Digo sorte porque, do contrário, teríamos uma narrativa enfadonha.
Nosso protagonista não arredaria os cascos da frente do espelho. Repetiria: "Há sob o céu, ó espelho, legenda mais pura do que eu?" E o espelho, infatigável: "Não, não. Em absoluto. Mil vezes não".
A missão de nosso puro-sangue era nobre e solitária. Salvaria o país das tramóias urdidas na lama. E o faria sozinho. Ou, por outra, só aceitaria a ajuda de quem estivesse acima do bem e do mal -uma cândida va(c)a que re(z)za, por exemplo.
Súbito, o cavalo ouviu dizer que era boa, mansa e gratuita a vida em meio à imundície. "Ora", raciocinou consigo mesmo, "estou dando uma de burro". Notou que, preocupado em salvar o país, esquecera-se de desfrutar a vida.
Nosso puro-sangue jamais foi o mesmo. Exausto da própria honestidade, cansado de tanta ética, pôs-se a experimentar os prazeres da pocilga. Recebeu contribuições eleitorais de empreiteiras, obteve uma penca de aposentadorias especiais e, sabe-se agora, infiltrou na folha de pagamento do Legislativo uma legião de fantasmas.
Com fome típica de refugiado de Ruanda, o cavalo perdeu a linha. Pendurou contracheques onde pôde. Até em gabinete malufista.
Moral da história: em política, equino também tem o seu dia de suíno.
Segunda moral da história: espelho de conto de fadas não merece confiança.
Terceira moral da história: nem toda cândida va(c)ca que re(z)za é santa.

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