São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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Transplantes

DARCY RIBEIRO

Escrevo este artigo especialmente para os que necessitam e esperam um transplante e para os seus familiares e amigos. O faço porque a nova Lei de Transplantes entra nos próximos dias em debate final no Senado.
Ali se decidirá por um de dois caminhos. Voltar à forma original do Senado ou aprovar a forma que alcançou na Câmara dos Deputados. O primeiro abrirá amplas perspectivas para salvar vidas; o segundo apenas reitera a legislação vigente, que torna impossíveis, na prática, os transplantes.
Apresentei -e consegui a aprovação do Senado- uma lei reguladora dos transplantes de órgão de pessoas comprovadamente mortas para pessoas cujas vidas possam ser salvas ou que as livre de sofrimento atrozes e da cegueira. Meu projeto original foi melhorado no Senado pelo relator Lúcio Alcântara, que, como médico e como humanista, lhe deu uma forma mais adequada para cumprir seus altos fins. Esses são, essencialmente, tirar do desespero dezenas de milhares de pessoas que esperam por um transplante salvador e se desesperam pela impossibilidade de alcançá-lo.
Alguns casos são especialmente dolorosos, como ocorre com os que, sofrendo dos rins, passam a necessitar de frequentes transfusões e hemodiálise. Poderiam ser curados com um transplante e não o são porque a lei vigente no país o torna inviável, o que não acontece em outro lugar do mundo, pois toda parte há diferentes formas de tornar disponíveis os órgão de pessoas mortas.
No Brasil, ao contrário, isso é vedado por lei e só podem ser utilizados em transplantes os órgão de pessoas tão sábias, previdentes, ricas e informadas que se disponham a ir num cartório para fazer a doação prévia de seus órgão após sua morte. Como é reduzido o número de pessoas nessas condições, é também reduzidíssima a oferta de órgão para salvar vidas.
Com efeito, são enterrados e apodrecem sem que possam ser utilizados os corpos de mais de 100 mil pessoas mortas anualmente nos acidentes de trânsito e na onda desenfreada de violência que enfrentamos. Trata-se, na maioria dos casos, de pessoas jovens e sadias, cujos órgão poderiam servir para salvar outras pessoas nos hospitais públicos e nos especialmente credenciados para esse procedimento.
Nosso projeto inverteria a legislação vigente, fazendo com que só tivessem de procurar o cartório aqueles que não querem doar seus órgão, a fim de levarem consigo uma declaração de que seu corpo não pode ser utilizado após sua morte para salvar vidas.
Meu apelo é para que cada um de vocês se dirija a algum senador para pedir que ele aprove o texto original do Senado, recusando as alterações propostas pela Câmara dos Deputados.

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