São Paulo, terça-feira, 7 de janeiro de 1997
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As organizações sociais

HERBERT DE SOUZA

Há anos alerto sobre um modo de sair das armadilhas ideológicas entre privatização e estatização, por meio de empresas (ou instituições) públicas. Ou seja, nem estatais nem priva|das.
A discussão está em pauta no Congresso. Mas acaba sendo empurrada por interesses particulares, ficando entre o primeiro e o segundo planos, de acordo com a conjuntura política. Deputados e integrantes do governo parecem estar em perfeita sintonia, ao menos no que diz respeito à falta de prioridade para a reforma do setor público do Estado. As propostas merecem uma avaliação cuidadosa e estratégica.
Nesse processo, há bons e maus resultados. O Ministério do Planejamento, junto a empresários do setor, festeja a administração da Usiminas, por exemplo. Mas não se sabe o que fazer com a Vale do Rio Doce. Há cheiro de reeleição, aliado à falta de tempo para os compradores examinarem as ações. Entre contas, moeda podre, Congresso e governo federal, fica a pergunta: onde está representado o interesse da população brasileira?
Trata-se de sair do dilema "Estado ou mercado" e recuperar o conceito de público. Nesse tempo de muitos artigos e pouca repercussão, fui trabalhando a idéia e buscando aliados.
Falei com meio mundo, tanto com representantes do setor privado como das empresas estatais. Cheguei a almoçar no restaurante Assírio, centro do Rio, com o ministro da Administração Pública, Bresser Pereira. Discutimos o assunto, sem discordância.
O ministro Bresser descobriu o caminho. E ele vem à frente de todos os programas já idealizados. A iniciativa parece apresentar futuro: as organizações sociais. Como toda idéia nova e revolucionária, encontra resistência e passa por ajustes, avanços e recuos. Há um caminho grande a percorrer rumo ao público, chamado até agora de "social".
O projeto, então, começou a ser posto em prática. Os funcionários de Furnas, no Rio de Janeiro, chegaram a criar um instituto, o Ilumina, para viabilizar uma empresa pública e cidadã: a transformação de estatal em organização pública não-estatal. Esse espaço é uma ponte entre Estado e sociedade.
Desse modo, tais estruturas teriam abertura suficiente para realizar projetos, a pedido da população. Esse controle cidadão as deixa fora do círculo do poder, como cartéis e outras corporações. Mantém-se o aspecto estatal, mas o controle é popular.
E qual é a essência da idéia? Acima de tudo, é um projeto possível. Corre contra o pensamento oficial dominante, mas é perfeitamente realizável, mesmo nas condições do capitalismo que impera entre nós.
A nossa sociedade já tem acesso a mecanismos que permitem uma resposta imediata ao governo. Já não há mais espaço para monopólios, oligarquias. E o serviço público não está excluído disso. Pelo contrário, é o ponto essencial da reestruturação governamental.
Uma empresa pública não-estatal, cidadã-comunitária -ou que nome melhor se encontre-, é uma empresa que atua no mercado como qualquer outra, mas não se subordina direta e automaticamente à lógica do lucro e da eficiência, medidos apenas em termos financeiros. Uma empresa que pensa e incorpora suas dimensões sociais e ambientais como parte de sua própria lógica. Uma empresa dirigida estratégica e politicamente por um conselho com representação ampla da sociedade: usuários, empresários, técnicos, trabalhadores, associações civis, universidades, instituições representativas locais, representantes do poder público de diferentes níveis. Uma empresa onde a sociedade e o poder público ou privado tenham condições de estabelecer metas, objetivos e mecanismos de correção de rumo e gerar uma nova realidade no campo empresarial do Brasil. Enquanto isso, setores do governo federal continuam sem perceber todo o alcance do processo.
A proposta ministerial não pretende tirar do Estado todas as funções. Logicamente, a mudança não pode ser radical, de uma hora para outra. Nem atingir a todos os segmentos, tanto empresariais quanto sociais. Apenas quer repassar parte delas ao controle direto da população.
Creio que o ministro Bresser deveria seguir esse caminho com audácia, sem olhar para trás. Vai encontrar resistências, mas também vai receber apoio de uma sociedade cansada dos modelos ideológicos velhos, que deseja experimentar o novo, principalmente quando ele é público, social e democrático. Afinal, essa pode ser a idéia que faltava para o governo entrar definitivamente em harmonia com o povo. Sem depender das oscilações do momento político.

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