São Paulo, terça-feira, 7 de janeiro de 1997
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Educação e imprensa: lições de 1996

JORGE WERTHEIN

Se considerarmos a imprensa como uma síntese aguçada dos movimentos da opinião pública, não só por refletir essas correntes senão, fundamentalmente, pelo seu caráter formador, poderíamos terminar o ano de 1996 com algumas boas lições.
Em primeiro lugar, a constatação, um pouco intuitiva, de que nunca como neste ano dedicou-se tanto espaço à questão educacional do país.
Foram milhares de matérias dedicadas a divulgar, analisar ou discutir uma diversidade de temas: as demandas e articulações do empresariado com o ensino básico ou com a educação profissional; o nível de escolarização de nossa mão-de-obra diante dos desafios do Mercosul; as mudanças educacionais necessárias no contexto da globalização da economia; os diversos planos e projetos educacionais do governo central ou de autoridades estaduais e municipais; e assim por diante. Mas, em função da persistência e da densidade da cobertura, três foram os assuntos de maior destaque.
Em primeiro lugar, as discussões e polêmicas em torno do Exame Nacional de Cursos, o chamado provão, desde sua formulação até sua aplicação, em novembro deste ano.
Em segundo, a veiculação das intenções e da tramitação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério -o "fundão"- como estratégia nacional de melhoria da qualidade do ensino e das condições de trabalho do professor.
Em terceiro, a divulgação dos resultados parciais e finais do ciclo de 1995 do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), retratando os avanços e problemas do ensino fundamental e médio do país.
Que indica essa maciça cobertura? Primeiramente, que nunca como nos dias de hoje a questão educacional esteve no centro das preocupações e da agenda política dos diversos setores do país.
Junto com essa nova centralidade, é possível observar também uma importante mudança de foco. Até bem pouco tempo atrás, notícia educacional, vista pelo lado do interesse público, centrava-se no ensino superior, como gerenciador das competências científicas e tecnológicas do país e, particularmente, nos rituais que permitiam acesso a ele: o vestibular.
Conhecendo a pirâmide educacional brasileira, pode-se afirmar que essa é uma temática que, sem deixar de ser relevante, abrange as demandas de reduzidos setores da população. Pode-se ver que, em 1996, dois dos três temas "quentes", o fundão e o Saeb, referem-se exclusivamente ao ensino básico do país.
Isso representa, em última instância, a irrupção das necessidades educacionais das grandes maiorias no terreno do "interesse público" e, a meu ver, uma verdadeira inversão copernicana no tratamento da questão educacional.
Essa inversão, verdadeira revolução branca, encontra sustentação numa série de fenômenos. Em nível internacional, a "redescoberta" da educação básica na agenda das políticas do desenvolvimento social e humano, redescoberta que ficou legitimada nos acordos da Conferência Internacional de Educação para Todos, de Jomtien, no ano de 1990.
Uma longa série de países do mundo, sob essa ótica, reformaram seus sistemas educacionais, centrando suas energias na melhoria da qualidade do ensino básico, pedra molar para construção de uma nova cidadania em condições de enfrentar os desdobramentos e desafios da modernidade nos campos tecnológico, produtivo, político, social e ético.
Essa agenda de mudanças, especialmente no Brasil, demandou de suas autoridades um conjunto de estratégias adequadas às peculiaridades e necessidades do país. Esgotado o modelo econômico baseado numa grande disponibilidade de matéria-prima e de mão-de-obra pouco qualificada, mas barata, esgotou-se também o modelo educacional a ele associado: uma elite altamente capacitada e educada junto a um grande contingente só suficientemente escolarizado para dar conta das tarefas de uma industrialização fortemente protegida e tardia.
Isso explica e justifica a importância atribuída pela população e, como reflexo, pela imprensa às três iniciativas do governo acima indicadas. Não surpreende, então, que duas delas estejam centradas na avaliação da qualidade de nossos resultados educacionais, e a terceira, na tentativa de dotar nossos sistemas educacionais dos recursos mínimos que permitam valorizar tanto nossos alunos quanto nossos professores. Esse é o caminho, e o caminho se faz ao andar.

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