São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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A demofobia de Eduardo Azeredo

ELIO GASPARI

Mesmo que o governador Eduardo Azeredo e seu vice, Walfrido Mares Guia, passem o resto da semana rolando na lama de Ouro Preto, já se tornaram um caso para junta médica na patologia política brasileira. Minas Gerais tem 200 municípios inundados, 32 mil desabrigados e 76 mortos, e os dois continuam em férias. Um na Europa, outro nos Estados Unidos.
É provável que regressem, mas, se o doutor Azeredo queria cortar um braço de suas pretensões políticas, não poderia ter feito coisa melhor.
O que os poderia ter levado a fazer uma coisa dessas? Primeiro é preguiça mesmo. Ninguém gosta de interromper férias. Por mais desconfortável que seja, é preferível ficar na Europa a temperaturas abaixo de zero do que no calor da lama brasileira.
Isso só não pode explicar coisa desse tamanho, porque não é só o governador quem não está trabalhando enquanto Minas é inundada. O vice também. Em geral, a preguiça do chefe é compensada pela dedicação de seus substitutos, mas no caso, nem isso.
Afora a vontade de ficar em férias, Azeredo e Mares Guia são exemplos do que se poderia chamar antipopulismo e na realidade não passa de horror ao povo, demofobia.
Isso pode ser percebido quando alguns de seus assessores dizem que eles estão recebendo boletins diários e acompanham a questão com toda seriedade. Em breve algum desses espertalhões informará que a autoridade, viajando pelos vinhedos franceses, está ligado com a crise pelas ondas da Internet. Estará criado assim o governador virtual. E com Azeredo isso é até fácil, visto que se trata de um micreiro. Por trás desse argumento circula uma suposição, difundida no caso de Caruaru, de que a ida pura e simples da autoridade ao local de uma tragédia é, no fundo, um ato demagógico. Não se trata de demagogia. Trata-se, no mínimo, de simbolismo. E quem acha que Azeredo não precisa ir a Ouro Preto, deve também dispensar o Natal por piegas, o Ano Novo por convencional, o Carnaval por pagão e o próprio aniversário por irrelevante. É interessante que as autoridades não gostem da liturgia quando se trata de ir para a lama, mas não se conhece caso de magano que dispense ajudante-de-ordens, cabeceira de mesa e retrato em repartição.
Comportamentos desse tipo se relacionam também com o estilo teflon de governo. Foi uma coisa desenvolvida pelo presidente americano Ronald Reagan nos anos 80. Ele governava cuidando que nenhum problema conseguisse grudar em sua imagem. Conseguiu estourar as finanças públicas americanas dando a impressão de que produzia uma administração austera.
Azeredo e seus similares não são Ronald Reagan, são apenas um pastiche. Quando se afastam dos problemas, o que eles estão fazendo é apenas fugir do problema, nada mais que isso. No fundo de suas almas as casas destruídas são uma fatalidade da engenharia civil, e os desabrigados podem ser vistos como pessoas que, por não terem duas casas, ficam sem nenhuma quando a água lhes leva o lar. As inundações são um fenômeno climático previsível e inevitável. Nada há a fazer, nem pelas vítimas das inundações, nem pelo felizes viajantes.
Discretamente, o governador Eduardo Azeredo vinha construindo uma imagem de bom governador. Suas férias (e as do vice) mostram que, nele, o discreto pode ser disfarce do inócuo, e o silêncio, simples falta de ter o que dizer.
Uma coisa está assegurada, Azeredo e Mares Guia passarão o resto de suas vidas políticas explicando as férias de 1997.
Um aviso para quando resolverem voltar: comprem uma capa de chuva, mas por favor, não desçam em Minas Gerais com aquelas Burberry de forro bege quadriculado. São caras, duram muito, mas faz tempo que viraram coisa de turista japonês.

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