São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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Cade 1996/97: balanço preliminar

GESNER OLIVEIRA

Transcorridos sete meses de mandato no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e iniciado o recesso, é natural celebrar o rito de passagem da virada do calendário gregoriano e realizar balanço das atividades do ano. Convém, para tanto, recapitular o programa de trabalho de cinco pontos.
1) Decidir em tempo econômico: a defesa da concorrência é ágil ou inexiste. Os avanços nesse ponto superaram as expectativas. A racionalização do exame de atos de concentração, realizada em conjunto com as secretarias de Direito Econômico e de Acompanhamento Econômico, permitiu redução do período de análise de dez para dois meses; espera-se que os casos simples venham a requerer um máximo de 30 dias.
Tal dinamização não se restringiu a atos de concentração: nos primeiros 200 dias, o colegiado apreciou 162 peças, 88% das quais constituindo casos de conduta, como ação concertada ou abuso de preços.
Três comparações ilustram o notável esforço: o total de 162 é superior ao número julgado nos primeiros 20 anos do Cade (152); verificou-se média de 23,1 casos por mês, 900% maior do que em 1994-96 (2,3); e as condenações (20) superaram a soma das três primeiras décadas do Cade (16).
Mais importante do que tais estatísticas, as decisões do conselho mantiveram nível técnico compatível com padrões internacionais.
2) Difundir a cultura da concorrência: a divulgação de noções básicas sobre concorrência é tarefa essencial em um país que durante décadas viveu sob excessiva regulamentação e proteção. Muitas empresas ainda desconhecem seus direitos e obrigações nessa área.
Visando superar esse quadro, foram criados o Fórum Permanente de Políticas da Concorrência e um programa de estágios com diversas universidades, bem como elaborados manuais de explicação da Lei 8.884/94.
3) Globalizar a defesa da concorrência: a globalização aumenta a importância da concorrência. A atração de investimentos requer regras transparentes, estáveis e similares às do resto do mundo.
Daí a importância de um protocolo de defesa da concorrência no Mercosul, cuja negociação avançou; do acordo de cooperação entre o Cade e a Comissão Nacional de Defesa da Concorrência da Argentina; da participação brasileira no Grupo de Concorrência da Área de Livre Comércio das Américas (Alca); e de convênios com os organismos antitruste dos EUA e da União Européia.
4) Articular a ação do Cade às políticas públicas: urge sintonizar o Cade com demais órgãos de governo, abrindo canais de cooperação de dupla dimensão. De um lado, dando consistência entre a ação do Cade e as prioridades do Executivo. De outro, transmitindo a ótica da concorrência aos responsáveis pelas políticas públicas.
Foram positivas, nessa direção, as ações de cooperação com órgãos governamentais, especialmente BNDES e Ipea. O amadurecimento do debate reforça a noção, comprovada historicamente, de que o êxito da privatização, da desregulamentação e da abertura da economia depende de condições propícias à concorrência.
Merece destaque, ainda, iniciativa de protocolo entre os ministérios da Justiça e do Trabalho e o Cade, com o intuito de minimizar os custos de desemprego associados à reestruturação produtiva da economia.
5) Capacitar o Cade: obteve-se estrutura mínima de cargos, ergueu-se a Procuradoria do Cade e criou-se assessoria permanente. Dezenas de convênios com universidades e organizações da sociedade civil têm fortalecido o órgão.
Além disso, a preparação de curso de formação em defesa da concorrência, bem como programas de assistência externa, contribuem para atingir a excelência técnica necessária.
Mas não há milagres, especialmente em um mundo globalizado. Os EUA têm uma economia dez vezes maior do que a brasileira e gastam cerca de 200 vezes mais com a regulamentação de seus mercados.
O Estado brasileiro tem despendido mal os parcos recursos existentes. A assessoria do Cade está formulando sugestões de como realocá-los de forma compatível com a constituição de agência moderna de defesa da concorrência.
O balanço acima tem caráter preliminar, constituindo subsídio para o relatório anual do Cade. Consoante compromisso assumido junto à Comissão de Economia do Senado e reiterado ao seu presidente, senador Gilberto Miranda, tal documento será apresentado no reinício dos trabalhos parlamentares. A versão final contará com debate aprofundado do colegiado, além de contribuição de cerca de 60 lideranças da sociedade e de especialistas, que serão consultados em janeiro.
Os avanços dos últimos meses devem ser entendidos como parte de um processo longo de construção institucional. Seria ocioso insistir que ainda há muito a fazer. Tampouco se tem a ilusão de que teria surgido um "Cade novo", em contraste com o "velho".
O atual programa de trabalho resulta, em boa medida, da experiência legada por colegiados anteriores, contando sua implementação com a desprendida colaboração de meu antecessor, Ruy Coutinho, e de vários ex-conselheiros.
A chance de êxito desse esforço modernizante repousa na capacidade de mobilizar parcela crescente da sociedade e Estado brasileiros, para erigir marco regulatório adequado à economia de mercado.
Trata-se de tarefa ainda mais árdua do que a estabilização. Mas tão indispensável quanto esta última para um país emergente que -como o Brasil- almeja trilhar nova rota para o desenvolvimento.

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