São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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O mito JK - 3

LUÍS NASSIF

Os mitos básicos da nacionalidade foram construídos no século passado, em um país agrário, cultural e socialmente em formação, sem dispor de uma universidade sequer e dotado de sistemas de comunicação precários.
No fim do século, em plena sociedade da informação, com uma nação que começa a ingressar na maturidade, parece um tanto curiosa a tentativa de mitificação de JK.
A mitificação é o convite ao não-exercício da análise. E, assim como em Fernando Collor, em JK convivem virtudes, que devem ser enaltecidas, e defeitos, que não podem ser minimizados.
Se, de um lado, encarnou a chama desenvolvimentista, do outro consagrou o assalto ao Orçamento, os planos mirabolantes, o exercício reiterado do fisiologismo, as alianças empresariais mais suspeitas.
Nesse sentido, JK encarna como ninguém o pior da herança política brasileira. E é forçar a barra tentar situar os defeitos como inerentes às qualidades.
De fato, a partir de JK criou-se no imaginário político latino-americano a máxima de que o sonho não pode obedecer a regras mínimas de disciplina fiscal ou de lógica econômica. Para fazer 50 anos em 5, tudo é permitido -mesmo que o país tenha de carregar as consequências por décadas.
Por conta dessa simbologia, algumas das mais responsáveis cabeças cepalinas (da Comissão Econômica Para a América Latina) acabaram crucificadas ao tentar introduzir alguma racionalidade nas políticas econômicas -caso de Raúl Prebisch, na Argentina, ou de Celso Furtado no governo Jango.
Gerou um populismo da pior espécie, que está na raiz de quase todos os processos de desmoralização da democracia nas décadas seguintes -dos exageros de Goulart às loucuras de Salvador Allende, da megalomania de Geisel à irresponsabilidade do Cruzado e de uma sucessão de governadores ditos "desenvolvimentistas", como Quércia.
Desmoralizou o próprio sentido da palavra "desenvolvimento" -associada erroneamente a descalabros fiscais.
No governo JK, o ponto central dos desequilíbrios orçamentários foi a construção de Brasília, uma ofensa ao bom senso que não se justificava sob nenhuma ótica social ou econômica -e que acabou comprometendo a própria meta dos 50 anos em 5.
A justificativa de que Brasília permitiu a interiorização do desenvolvimento não resiste à menor análise factual.
Jamais a cidade teve significado econômico ou comercial. Não virou pólo atacadista, não desenvolveu sistemas de logística que a transformassem em ponta de lança para o Centro-Oeste nem estabeleceu vínculos econômicos com as cidades vizinhas -a não ser cidades-satélites.
Pior: acabou tirando da elite tecnoburocrática do país qualquer identidade maior com o Brasil.
Deve-se reconhecer a importância histórica do governo, mas sem tentar endeusar o político JK. Mesmo porque o país já está crescido demais para comportar novos mitos.
Passarinho
"Passarinha que come pedra sabe o estômago que tem".
O ditado mineiro vale para a aposta que o governo está fazendo em relação à emenda da reeleição.
A aprovação da emenda dará sobrevida de um a cinco anos ao governo FHC. Sendo reeleito, ganha mais um mandato. Não sendo reeleito, ganha no mínimo o último ano de governo.
No entanto, a não-aprovação da emenda antecipará o fim do governo em pelo menos 18 meses.

Email: lnassif@uol.com.br

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