São Paulo, quarta-feira, 8 de janeiro de 1997
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O tango argentino

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Antes mesmo de a Segunda Grande Guerra terminar, lord Keynes sabia que o capitalismo, mais uma vez, precisaria de um novo conflito em escala mundial não para conferir, impor ou refutar qualquer tipo de ideologia ou reivindicação territorial. Simplesmente para absorver mão-de-obra. Keynes previu o que está acontecendo: excesso de dinheiro rolando pelo mundo e excesso de desemprego.
Não sou entendido em economia nem em Keynes, ignoro se ele contou com a robotização do parque industrial. Parece-me evidente que levou em consideração o estágio tecnológico do pós-guerra. Contudo, mesmo sem a explosão da técnica e com as taxas demográficas previstas em seu tempo, ele armou sua equação, que afinal não seria o mais importante de Bretton Woods: o conflito ideológico entre os dois tipos de economia era então o assunto mais urgente.
Já nos anos 80 o problema do desemprego impunha-se dramaticamente à Europa Ocidental -faltava-nos um quadro preciso sobre a situação do lado europeu sob a tutela da União Soviética. Para nossas bandas, o dito Terceiro Mundo, sobravam problemas igualmente dramáticos como a instabilidade política, inflação, bolsões de fome, miséria absoluta.
E haveria a evidência: dificilmente uma guerra mundial seria desfechada a partir da Guatemala ou do Quênia. Do solo europeu, tradicionalmente, costumam partir as grandes guerras.
Antes que me acusem de apocalíptico, ameaçando uma nova guerra para a humanidade, lembro que desta vez nem mesmo um conflito mundial resolveria o problema: os armamentos nucleares e a tecnologia de ponta são o resultado daquele ditado latino que manda preparar a guerra se queremos a paz.
Constato apenas a arapuca em que o capitalismo nos meteu. Com o enfraquecimento dos sindicatos por um lado, por outro a equação armada por Keynes, a solução é aquela apontada no poema de Manuel Bandeira: cantar um tango argentino.

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