São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 1997
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'Eremita' quer oficina de artes no litoral

ERIKA SALLUM
ENVIADA ESPECIAL A CAMBURI (SP)

Suas máscaras já foram parar em "Purple Rain", filme estrelado por aquele músico que se chamava Prince.
Já trabalhou com famosos do teatro brasileiro, como Antunes Filho, Antônio Abujamra, Juca de Oliveira e José Possi Neto, fazendo cenários e adereços para peças.
Avesso a mostras e vernissages, há três anos o artista plástico paulista Neneco resolveu deixar tudo para trás e morar no Sertão da praia de Camburi, em São Sebastião (160 km ao norte de São Paulo).
A profissão e os ideais, no entanto, não abandonou nunca. Como arte, para ele, tem de estar ligada à educação, pretende inaugurar brevemente um galpão onde vai transmitir seus conhecimentos aos garotos e caiçaras do local.
Será o primeiro centro cultural da região, bastante afastada -não apenas fisicamente- da badalada orla do litoral norte do Estado.
Enquanto busca recursos para o projeto, vai tocando uma miniescola de arte em sua própria casa, uma construção simples, quase no meio do mato, e que, em dia de chuva, só se chega de helicóptero.
Toda decorada por máscaras, especialidade do artista, a casa sempre recebe visitas de adolescentes. Muitos nunca foram a um museu, mas, pela mão de Neneco, vão aprendendo a pintar, esculpir e, de quebra, em meio a bate-papos, têm aulas de música, literatura e teatro.
"Quero movimentar isso aqui", decreta, em entrevista à Folha.
Trabalhar com crianças não é novidade para esse homem de idade e nome de batismo jamais revelados ("Você já sabe o suficiente, é o que basta.").
Nos tempos em que morava no Bixiga, centro de São Paulo, "adotou" 13 meninos de rua, que passaram a ter lições de canto, dança, pintura. Até banho e tratamento dentário eles recebiam, tudo financiado por doações.
A casa era um misto de loja, centro cultural e creche.
"Ele sempre ampliou o papel da arte, fazendo dela um trabalho social. Isso é fantástico", disse o diretor e ator Sérgio Mamberti, que já trabalhou com o Neneco em "Hamlet".
Essa história ajuda a entender seu estilo de vida. Poderia ter feito exposições, colocado suas máscaras e esculturas à venda em alguma loja "cabeça", ganhado dinheiro.
"Não consigo vender minha arte para dondocas. Quero que pessoas especiais comprem meu trabalho", desabafa.
Por essas e outras, não basta chegar a sua casa e ir perguntando logo de cara o preço de alguma máscara: "Tem de me convencer primeiro", brinca.
Foi o que fez a produção de "Purple Rain", do ex-Prince, que certa vez comprou algumas máscaras suas, pedindo autorização para usá-las no filme.
Elas decoraram o quarto do personagem interpretado pelo cantor.
Frustração
Nascido em Araraquara, Neneco se interessou por arte por causa de sua paixão pela música -"Sou um cantor frustrado".
Filho adotivo, acabou saindo da casa da família quando o pai começou a implicar com sua escolha profissional.
Tentou ser ator, mas a sedução das coxias, dos bastidores falou mais alto. Interessou-se pelo cenário, figurinos, adereços.
Até que foi indicado por um amigo a Antunes Filho. Foram 5 anos como diretor de cena e aderecista de "Macunaíma", peça com a qual viajou para França, EUA, Itália, Alemanha etc.
"Aprendi muito com o Antunes. Ele limpa seu ego, mostra que você ainda não é ninguém. É um processo duro, mas maravilhoso."
A partir daí, seu currículo inflou, a ponto de contabilizar trabalhos com Juca de Oliveira, Márcio Aurélio, Antônio Abujamra, Naum Alves de Souza.
Junto com o coreógrafo e bailarino Ismael Ivo, viajou para Berlim, onde apresentou o espetáculo "Minotaurus".
Efêmero
Sua atração pelas máscaras surgiu na época em que era maquiador. "A pintura no rosto era muito efêmera, queria algo que se prolongasse."
Sempre tendo como base papel, ele se utiliza dos mais variados materiais, de cerca de galinheiro à camisinha.
Não se prendendo a um só estilo, pode fazer uma máscara japonesa e, em seguida, reproduzir algum personagem de história em quadrinhos, uma de sua fontes de inspiração.
Repudiando aqueles que acham que ele vive "de papo para o ar, fumando maconha o dia todo", Neneco confessa que "só quer trabalhar em paz".
"Se conseguir isso, já estou feliz."

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