São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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'Gridlock'd' contraria estereótipos

UBIRAJARA C. CASTRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA,

em Los Angeles
Uma banda, três amigos: Spoon, Stretch e Cookie. Fazem música, vivem e se drogam juntos. Na noite de Ano Novo, Cookie, a cantora, entra em coma por causa de uma superdose de heroína.
Spoon (Tupac Shakur) sente que esse é o momento de acabar com o vício. Assim começa uma odisséia de dois amigos lutando desesperadamente contra a burocracia do serviço público de atendimento de saúde, a tentação de continuar se drogando e um gângster no seu encalço.
Num ano em que muitos atores de Hollywood decidiram experimentar suas habilidades como diretores e, na maioria das vezes, acabaram mostrando que tinham apenas uma cena em busca de uma história, "Gridlock'd", a estréia do ator negro Vondie Curtis Hall na direção, surpreende favoravelmente.
Não só pela boa história, sua ousadia na seleção do elenco, pelo tratamento bem humorado de uma situação trágica, mas, sobretudo, pela decisão de contrariar os estereótipos.
Troca de papéis Há uma inversão da já conhecida dupla do cinema americano: o branco líder e o negro acessório.
Nesse caso, o seguidor é Stretch, um branco maluco, sem a menor idéia das consequências do que diz, brilhantemente interpretado por Tim Roth, ator britânico conhecido por "Cães de Aluguel" e "Tempo de Violência".
Numa das cenas memoráveis do filme, Stretch chama um fornecedor de "nigger" -termo pejorativo, se dito por um branco, muito antes de o mundo se preocupar em ser "politicamente correto", mas de uso comum entre certos grupos de negros norte-americanos.
A característica mais forte do filme é a amizade incondicional que une um negro e um branco na desesperada busca de auxílio para se livrar do vício da droga.
Burocracia
A história tem o mérito de ir além da percepção simplista que temos da burocracia, onde reina o absurdo e a má vontade. Há um outro momento brilhante em que um funcionário, pressionado a prestar assistência, diz: "Vocês se drogam a vida inteira e, num certo dia, resolvem que não querem mais. Daí, acham que o mundo inteiro tem que parar o que está fazendo para dar assistência a vocês".
O absurdo é constatar que só se qualifica para receber assistência imediata quem for portador do vírus da Aids.
Entre as muitas visitas ao hospital e repartições do governo, o duo acaba provocando a ira de um gângster, primeiro ao dar-lhe um golpe vendendo gato por lebre, depois por se apossar da sua heroína. E, para complicar ainda mais a trama, acabam se tornando suspeitos do assassinato do seu fornecedor de heroína.
O diretor Curtis Hall disse conhecer bem a situação de quem procura assistência do Estado por ter passado por ela, na adolescência, junto com seu melhor amigo, um garoto branco, na cidade de Detroit.
"Na época, não queria que meus pais soubessem do meu envolvimento com drogas, e meu amigo não tinha documentos. Sem preencher os requisitos burocráticos é praticamente impossível conseguir auxílio do Estado."
Jogo perigoso
A escolha do rapper Tupac Shakur para o papel foi, em parte, determinada pela exigência dos financiadores do filme de ter um nome conhecido para garantir retorno do investimento. Curtis Hall ainda não tem o cacife de Mel Gibson para estrelar seu próprio filme.
Shakur, mais conhecido no mundo da música, não era um estranho no cinema. Na verdade, sua experiência como ator começou aos 12 anos de idade com um grupo de teatro do Harlem. Estreou no cinema em 1992, no filme "Juice", e co-estrelou "Justiça Poética", de John Singleton, com Janet Jackson.
Com apenas 25 anos de idade, tragicamente assassinado em setembro de 1996, na cidade de Las Vegas, após assistir a luta de Mike Tyson, fez em "Gridlock'd" uma das suas últimas aparições no cinema.
Seu outro filme, "Gang Related", rodado no mesmo período, ainda está para ser lançado.
Tupac já havia sofrido outro atentado a bala em novembro de 1994, aparentemente por causa do seu envolvimento na briga entre a gravadora Death Row, de Los Angeles, com a qual tinha contrato, e a Bad Boys Entertainment, de Nova York.

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