São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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Tucci e Scott se aproximam da perfeição com 'Big Night'

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

"Big Night" não é apenas mais um bom filme com a comida como tema principal, na linha de "Festa de Babette" ou "Tampopo".
O filme de estréia dos eternos coadjuvantes Stanley Tucci e Campbell Scott como cineastas é um pequeno tratado sobre o constante conflito existencial entre idealismo e pragmatismo.
Com suavidade rara numa produção de cinema norte-americana, Tucci e Scott conduzem um enredo simples até conclusões profundas sobre os limites do perfeccionismo na realidade material.
Dois irmãos italianos numa pequena cidade perto de Nova York tentam ganhar a vida com seu restaurante, o Paradise. Primo (Tony Shalloub) é o mestre-cuca, um gênio culinário que não está disposto a sacrificar sua arte.
Secondo (Tucci), o gerente do negócio, ama, admira e respeita o irmão. Mas sabe que, se os dois seguirem à risca suas exigências, acabarão de volta à Itália sem um tostão furado nos bolsos.
Enquanto Primo faz a mais sofisticada comida italiana do mundo, Secondo tenta encontrar saídas para o restaurante. Ele acha que a encontrou nas mãos de um competidor das vizinhanças, Pascal (Ian Holm), que na opinião de Primo "deveria estar na cadeia" por vulgarizar ao extremo os lugares-comuns da culinária italiana. Mas o seu Grotto é um sucesso, e o Paradise vive vazio.
Secondo é amante da mulher de Pascal, Gabriella (Isabella Rossellini). Mas aceita a oferta do rival, que se oferece a trazer para o Paradise um famoso cantor italiano para uma noitada de gala com imprensa e convidados de honra que ajudaria a lançar o nome do restaurante como um lugar famoso.
Primo e Secondo gastam tudo o que ainda têm nesse banquete e, no final das contas, o cantor não aparece porque nunca havia sido convidado. Os convidados, em compensação, comem melhor que jamais sonhariam. Mas a aventura americana dos irmãos naufraga.
O filme chega muito perto da perfeição, dentro dos padrões da melhor escola européia de cinema: é sutil, delicado, inteligente.
Todos os atores, em especial os que fazem os dois irmãos, trabalham em "low profile", mas com extrema eficiência. As sequências de Tucci e Shallloub na cozinha são quase como um vídeo doméstico, tamanhas a espontaneidade e realismo que delas emanam.
Há um genuíno interesse pelos indivíduos, até pelos que aparecem por poucos minutos. Todos denotam confrontos íntimos convincentes e despertam grande empatia com a audiência.
"Big Night" defende, claro, a tese de que, apesar de tudo, vale mais a pena ser coerente com os princípios e lutar pela independência do que fazer compromissos "espúrios". A fé na grandeza da arte parece inabalável na história.
Pode não ser assim que as coisas funcionam. Mas isso não diminui o prazer de verificar que ainda existem os que acreditam na pureza ou que, pelo menos, não se envergonham de defendê-la.
Primo e Secondo são personagens fascinantes e inesquecíveis. Tucci, Shalloub e Scott merecem todos os prêmios do ano. No entanto, é muito mais provável que "Big Night", como o Paradise, acabe derrotado por um Grotto qualquer.

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