São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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Voz rouca, ouvido surdo

JANIO DE FREITAS

A endinheirada e desonesta campanha de publicidade pela reeleição, lançada no domingo em que Fernando Henrique Cardoso esperava sua consagração reeleitoral pela convenção do PMDB, é apenas o comecinho de uma imensa articulação, envolvendo meios de comunicação, para criar um movimento artificial de apoio "das ruas" à reeleição. Apoio desde já, não só à tese, mas à reeleição do próprio mandante da campanha.
A pretensa pesquisa oferecida a Fernando Henrique pela Força Sindical, que atribui à maioria dos seus sindicalizados apoio à reeleição, é só a primeira das várias já engatilhadas. Talvez nem todas sejam tão originais quanto à da Força, cujos trabalhadores, diferentes de todos os demais no mundo todo, mostram-se muito felizes com o desemprego em massa. Mas o Ibope, naturalmente, já está contratado para dar sua contribuição. Embora ainda sem notícia a respeito, não se imagina que os métodos do Vox Populi sejam desprezados.
No primeiro momento dos seus dois anos de governo em que se lembrou ser do PSDB, ou, mais simplesmente, lembrou-se do PSDB, Fernando Henrique inaugurou sua participação na linha definida para a campanha. No discurso aos caciques do partido, por ele convocados para manifestar-lhe solidariedade anti-PMDB, a idéia central esteve nesta frase: "É a rua que nos quer. É a tese que levantamos hoje (a da reeleição, claro) que tem eco na população e o Congresso sabe disso". À margem da ficção, um pormenor esquisito: nas referências às ruas, lá vinha ele com a expressão "a voz rouca das ruas". A suposição de que roucas, deve ser isso, porque na Presidência não há ouvidos que as ouçam, embevecidos que são só com uma voz. Para completar a concepção que faz de voz das ruas, Fernando Henrique foi outra vez peculiar: "Não são vozes mudas". Pois é, vozes mudas.
Preparem-se as ruas, pois, não só para o que delas quer o projeto reeleitoreiro, como força de pressão sobre o Congresso. Preparem-se também para ser entupidas de propaganda -e para pagar isso tudo e por isso tudo.
Um e outro
Os meios de comunicação brasileiros, todo mundo sabe, são muito imparciais e objetivos, não estão a serviço dos governantes. Todo mundo sabe, também, o quanto Paulo Maluf e mesmo o Hospital Sírio Libanês foram atacados por tentarem (em vão) preservar a identidade de um paciente de cirurgia.
Por algum motivo indefinido, e que talvez seja o silêncio imparcial e objetivo do jornalismo brasileiro, todo mundo ficou sem saber que o governador Antônio Britto, operado na segunda-feira, figurou na relação de pacientes sob o nome de um auxiliar seu. Fez uso do direito de preservar a privacidade. E não havia motivos políticos e outros para negar-lhe o seu direito.

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