São Paulo, quinta-feira, 16 de janeiro de 1997
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Ouro, "farofeiros", classe média, violência

ALOYSIO BIONDI

A Vale do Rio Doce descobriu uma das maiores jazidas de ouro do mundo, e também uma das mais lucrativas (porque tem muito metal para ser retirado de cada tonelada de terra escavada). É o que dizem as manchetes. A verdade? Ninguém "descobre" metais (ou petróleo) da noite para o dia. Desde meados dos anos 60, a tecnologia passou a realizar prodígios: pode-se "descobrir" minérios (e petróleo) mesmo debaixo da terra, a centenas de metros de profundidade, usando-se máquinas fotográficas.
A riqueza fabulosa de Carajás -que esta coluna focalizou há poucas semanas- foi descoberta assim: aviões sobrevoaram a Amazônia, a milhares de metros de altitude, com equipamentos que tiraram fotos coloridas da região. Nessas fotos, cada jazida de minério (subterrânea) aparece com cores diferentes. O que interessa nessa história toda: o governo FHC há muito tempo sabe da existência dessas jazidas. E insiste em vender a Vale a preço de banana.
Qual a diferença, em termos de crime contra a Nação, entre superfaturar obras públicas e entregar o patrimônio coletivo (nosso, da classe média e povão) a outros privilegiados? Por que o superfaturamento é considerado corrupção e a privatização a preço baixo não é?
Reeleição
Um lembrete, no debate sobre a reeleição. A melhor coisa da democracia, ou a essência da democracia, é exatamente a alternância, o rodízio de partidos no poder. Quando o mesmo partido, ou grupos que o dominam, conseguem perpetuar-se no governo, está aberto o caminho para os desmandos, os privilégios, a corrupção -pois o grupo dominante ganha a sensação de impunidade, perde o temor de que o sucessor (de oposição) faça devassas, investigue abusos ou decisões discutíveis. Pra não ir longe, uma perguntinha: se os tucanos, de Covas, não tivessem vencido em São Paulo, quem garante que as distorções do governo Fleury teriam chegado ao conhecimento da opinião pública?

"Farofeiros" - 1
Prefeitos do litoral paulista impedem a entrada, em suas cidades, de ônibus de excursão, transportando turistas que vão e voltam no mesmo dia, os chamados "farofeiros". Sua alegação: esse tipo de turista não dá lucro para a cidade, porque "não gasta nos hotéis". Ou pior ainda: os "farofeiros dão prejuízo para a prefeitura, porque usam os serviços locais e, como não gastam, não aumentam a arrecadação". Pra ficar só nesse argumento, é preciso lembrar que ele é sordidamente falso.

"Farofeiros" - 2
Os prefeitos de cidades praianas merecem o prêmio de hipocrisia por seu argumento. Os "farofeiros", o povão que tenta exercer o seu direito de usar as praias, pagam impostos estaduais e federais ao fazerem compras todos os dias, todas as horas: roupas, comida, sapatos, remédios. Ou ao usar serviços, energia elétrica, telefones etc. São impostos dos Estados e da União, que não beneficiam as prefeituras? Nada disso. Os prefeitos sabem muito bem que uma parte desses impostos é obrigatoriamente entregue aos municípios, para obras e serviços. Isto é: o "farofeiro" é um contribuinte, sim, que sustenta as prefeituras, com um detalhe: todos os estudos mostram que ele paga mais impostos, proporcionalmente, à sua renda, do que a classe média e milionários.

"Farofeiros" - 3
Além de receber uma parte dos impostos estaduais e federais, as cidades do litoral têm serviços de luz, água -sem esquecer as rodovias pelas quais os turistas chegam até elas, tudo construído com dinheiro dos impostos estaduais e federais, pagos pelos "farofeiros". O argumento dos prefeitos, além de burro, é indecente.

Violência
Um dos fenômenos mais odiosos observados no Brasil é a absoluta omissão dos formadores de opinião diante do tratamento que governantes dão ao "povão". O Brasil trata seus pobres como um bando de não-cidadãos, e os preconceitos contaminam a classe média. Divide-se o país ao meio. Não há a chamada solidariedade social. Depois, a classe média se surpreende quando é vítima de violência de marginais, que em alguns casos se comportam como bestas humanas. Mas por que eles deveriam ser diferentes, se o tempo todo, desde a sua infância, lhes é relembrado que há dois "tipos" de brasileiros. Um, tratado como cidadão. Outro, como bichos contra os quais se erguem até cercas para impedi-los de chegar ao mar?

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