São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Uma conta indigesta

CELSO PINTO

Suponha que o presidente Fernando Henrique Cardoso ganhe a reeleição e fique no poder até 2002. Suponha ainda que ele mantenha a orientação atual de sua equipe econômica, que diz que é saudável e desejável ter um déficit nas contas externas (conta-corrente) equivalente a 3% do PIB, pois essa é uma forma de absorver poupança externa.
Imagine ainda que o presidente continuará a contar com financiamento externo suficiente para cumprir sua estratégia. Mais ainda, considere a hipótese que ele conseguirá manter a economia (o PIB) crescendo, em média, 4% ao ano.
Tudo isso suposto, ao final de seu segundo mandato o Brasil estaria com uma dívida externa equivalente a 47% do PIB, cujos juros líquidos consumiriam 5,6% do PIB. Para evitar que o déficit em conta corrente superasse 3% do PIB, seria necessário gerar um superávit na balança comercial de 3,7% do PIB.
Traduzindo em números do PIB do final do ano passado, calculado pelo Banco Central, isso equivaleria a uma dívida externa de US$ 357 bilhões, juros líquidos dessa dívida de US$ 43 bilhões e um superávit na balança comercial de US$ 28 bilhões.
Uma trajetória dificilmente sustentável. Se o Brasil não conseguisse gerar um superávit comercial tão grande e tivesse que financiar também o pagamento dos juros da dívida, então o déficit em transações correntes subiria rapidamente para níveis comparáveis aos do México antes da sua crise externa em 94.
O exercício de projeção foi feito pelo economista Ruben Almonacid, um argentino formado em Chicago há muitos anos radicado no Brasil. Há alguns meses Almonacid, junto com outro economista argentino, Gabriel Scrimini, vem fazendo alguns "papers" sobre a área externa e a política de estabilização.
Uma conclusão, exposta acima, é que a abertura externa é correta e sustentável, mas a trajetória de déficits desejada pelo governo leva a um aumento da dívida e uma necessidade de saldos comerciais insustentáveis.
Como corrigi-la? Outro exercício tenta responder à questão se o câmbio realmente importa para o resultado de importações e exportações. Para isso, eles calcularam uma medida de competitividade (de paridade do poder de compra da moeda): o valor dos bens que podem ser comercializados no mercado internacional ("tradables") em relação aos que não podem ("non tradables").
Calculando essa medida para vários países, sua correlação com os resultados da balança é altíssima. No caso do Brasil, ela explica mais de 70% da variação da balança de 1963 a 1996. Portanto, o preço relativo, dado pelo câmbio, importa.
Partindo de um ponto de equilíbrio, em que a balança está zerada, essa relação no Brasil indicaria uma sobrevalorização hoje de 23,7%. Ou seja, teoricamente seria preciso aumentar a competitividade em 23,7% para não ter déficits comerciais. Como? Teoricamente, isso poderia ser obtido pela redução no custo dos bens "tradables", via deflação de preços e salários.
A Argentina fez isso nos últimos anos, às custas de desemprego e recessão: a sobrevalorização caiu de 28,5% para 22,7% de 93 a 96. O problema é que, a esse ritmo de recuperação da competitividade, de 2% ao ano, a Argentina precisaria mais dez anos de sacrifício para zerar a balança.
A partir desse exemplo, Almonacid não vê como o Brasil poderá corrigir o desequilíbrio externo sem uma maxidesvalorização cambial, por mais que ela afete a estabilização.
Outro estudo feito por eles tenta medir a importância dos juros altos no Brasil para conter a demanda e, indiretamente, a inflação. As regressões econométricas dizem que não há relação significativa. Já a redução no volume de moeda, medida pelos meios de pagamento, tem uma altíssima correlação com as variações de demanda no período 1980-96.
Conclusão número um: a política de juros altíssimos dos últimos anos teve um custo enorme para a economia e uma eficácia nula. Só funcionou quando associada a uma política de contenção monetária. Conclusão número dois: a situação atual é de excesso de demanda agregada potencial, quando comparada a outros períodos. O que seria um sinal de alerta.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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