São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Parlamentares sonham sair do anonimato

MAURICIO STYCER
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Eles são 200, 300, alguns falam até em 400. Se fossem unidos, formariam a maior bancada da Câmara dos Deputados. Mesmo desunidos, estão colocando em risco um acordo feito pelos líderes dos principais partidos e ameaçam influir na eleição do novo presidente da Casa.
Conhecidos, não sem ironia, como membros da bancada do "baixo clero" do Congresso, esse deputados nunca palpitam nas decisões tomadas pelos líderes, raramente aparecem nas comissões, jamais são entrevistados pela mídia e se especializaram em divulgar as suas idéias por meio da "Voz do Brasil".
"Baixo clero é um termo pejorativo criado pelos líderes, que pensam que mandam nos outros", diz o deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE), um típico representante do baixo clero.
O que seria "um típico representante do baixo clero"? Ouça o que o próprio Patriota fala sobre a sua situação: "Estou no quarto mandato e nunca consegui ser relator de nenhuma matéria importante. Só colocam quem é puxa-saco e é da panelinha".
Como não participam ativamente das atividades da Câmara e nunca são entrevistados pela televisão, os deputados do baixo clero enfrentam no cotidiano a dura realidade do anonimato. Ninguém sabe o nome deles, nem mesmo, como a Folha constatou, os porteiros do plenário da Casa, onde eles vão de três a cinco vezes por semana.
Não ser conhecido pelo porteiro ainda dá para aturar. A maior mágoa que um deputado do baixo clero pode guardar é não ser chamado pelo nome pelo líder do seu partido.
"Isso choca o deputado", diz Luciano Castro (PSDB-RO), que garante ser conhecido pelo líder de seu, o deputado José Aníbal (PSDB-SP). "Mas o Michel Temer (líder do PMDB) não sabe o nome de todos", diz.
Com frequência, os deputados do baixo clero almoçam sós. À noite, não conseguem boas mesas nos restaurantes da moda.
Quando você telefona para o gabinete de um deputado do baixo clero, a secretária raramente fala: "Gabinete do deputado fulano de tal", como fazem as secretárias dos deputados famosos. As secretárias do baixo clero só dizem "alô?".
Em época de reeleição, o baixo clero sonha em sair do anonimato. Na semana passada, o deputado Cipriano Correia (PSDB-RN) disse à Folha que estava indeciso sobre a reeleição de FHC: "Nenhum líder do partido ou do governo me procurou. Isso é porque sou do baixo clero".
Batismo
Não há muita certeza sobre quem criou o termo. O nada modesto Nilson Gibson (PSB-PE), que se diz autor dos discursos mais importantes do Congresso, afirma ter sido ele que batizou a bancada dos anônimos.
"Também dizem que sou o presidente do sindicato dos deputados, porque defendo os interesses dos colegas", diz ele.
A única certeza que há nesse caso é sobre o nome do deputado mais admirado pelo baixo clero: Wilson Campos (PSDB-PE), primeiro secretário da Câmara.
"Sou considerado o líder do baixo clero, o rei dos insatisfeitos. Conquistei isso pela maneira telúrica que atendo os deputados", diz Campos, candidato independente, contra a vontade do PSDB, à presidência da Casa.
Campos conquistou a simpatia do baixo clero ao longo de muitos anos de agrados. Conhece todos pelo nome. Sempre presenteia os deputados com produtos de suas indústrias e fazendas, como cachaça e mangas. Nunca se esquece de mandar um presente no dia do aniversário de cada deputado (neste ano, são gravatas).
"Wilson Campos foi o primeiro deputado a me abrir as portas quando cheguei a Brasília. Precisei internar uma pessoa no Hospital Sarah Kubistcheck. Ia demorar dois meses. Com a intermediação dele, demorou 48 horas", diz o deputado Olávio Rocha (PSDB-PA). Para ele, Campos "é o mito do baixo clero".

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