São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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PSG adota adolescente de morro do Rio

BETINA BERNARDES
DE PARIS

Quem vê aquele menino mirrado treinando encapotado nos campos nevados do PSG pergunta-se como ele chegou até ali. Do morro do Andaraí, na zona norte do Rio, a Paris, o carioca Leandro Alves da Cunha fez um longo caminho.
A história começou em março de 95, na final de um torneio entre times do morro. Após a partida, Leandro, então com 14 anos, recebeu, junto com os cumprimentos pela boa atuação, um convite do motorista, amigo e olheiro Amauri Júnior, que atuava no time rival.
"Ele perguntou se eu queria flechar, e eu topei na hora", conta. "Flechar" é uma gíria carioca que significa procurar um clube.
"Ele tinha conhecimentos e ia falar com o Jairzinho", conta. Era a chance que Leandro esperava desde os 6 anos.
Aos 13 anos, abandonou a escola, na 5ª série do 1º Grau, para ajudar a mãe, telefonista, e as duas irmãs, de 10 e 17 anos.
Foi carregador na feira do bairro e atuou como "flanelinha", termo que designa os garotos que tomam conta de carros no Rio.
O futebol não ficou de lado. Leandro marcava presença em todas as peladas do Andaraí.
"É um absurdo, no Brasil, país do futebol, se você não conhece ninguém, não consegue se mostrar para se profissionalizar", diz.
A tentativa com Jairzinho não deu certo, mas Júnior tinha outra carta na manga. O amigo de um amigo conhecia um empresário francês.
Um jogo foi organizado na Barra da Tijuca para que o empresário pudesse ver Leandro atuar.
O francês Franck Henouda-Logbi, ex-dono de um restaurante em Búzios (litoral do RJ) por seis anos, atua como empresário de jovens brasileiros. Tem uma rede de olheiros que lhe dão dicas.
Após ver Leandro jogar, aproximou-se e afirmou que ele tinha condições de treinar na França.
"Quando disse isso, pensei, 'não é possível'. Falou para eu conversar com minha mãe. Eu pedi, e ela aceitou na hora", relembra.
Após 45 dias, Leandro estava, aos 14 anos, no Centro de Formação do PSG (Paris-Saint Germain), um dos maiores clubes do mundo.
Assinou um contrato de dois anos e mora na concentração.
"No início me comunicava por gestos, mas tinha uns portugueses que faziam a tradução para mim", conta. Agora, aos 16 anos, virou atacante do time de estagiários.
Divide o apartamento com um jogador libanês. Frequenta a escola e estuda francês. "Entendo mais do que falo. Há palavras complicadas que não consigo dizer."
O salário de US$ 400 mensais é para os gastos pessoais. Não paga casa nem comida e tem direito a duas passagens aéreas por ano para o Brasil.
"As pessoas me ajudam muito, mas se adaptar ao frio não é mole", diz. Leandro procura se mirar no exemplo dos jogadores Raí e Leonardo, estrelas brasileiras do PSG, com quem ele conversa.
Há dez dias, Leandro voltou do Rio. A família não mora mais no morro. O empresário alugou uma casa na Abolição, também na zona norte da cidade.
"No dia de voltar para a França, falei para minha mãe que não queria vir. Quando a gente está aqui, fica tudo bem, mas quando vai ao Rio, sente o gostinho. Aqui está o maior frio. Lá ia à praia todo dia e fazia aquele calorão."
A vontade de largar tudo passou. "Penso na minha mãe, quero ajudá-la. Lembro que a vida lá no morro não foi fácil. Para conseguir alguma coisa na vida, preciso passar por coisas que não queremos."
Leandro veste então o gorro, o agasalho, duas luvas de lã em cada mão e parte para o treinamento. "Minha praia agora é isso aqui", diz, segurando a bola.

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