São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Brasil pandeiro

MARCELO MANSFIELD
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando Dom João 6º abriu os portos do Brasil, no começo do século 19, não sabia que com isso transformaria aquele fim de novo mundo em um dos mais cosmopolitas países do lado de cá da Europa.
Anos-luz depois da chegada da esquadra de Cabral, milhares de libaneses, italianos, espanhóis, alemães, africanos, ingleses e japoneses aqui se estabeleceriam, mesclando seu modo de vida com o dos anfitriões nativos do lado de baixo do Equador.
Depois de construírem suas vilas inglesas com jardins japoneses, vestir coloridos turbantes africanos, comer uma boa massa nas cantinas italianas ou acordar cedinho para pegar o pão nas padarias portuguesas, esses imigrantes também começaram a mostrar sua cultura.
A chegada da televisão, ligando o Brasil de norte a sul, mostrou ao país todo que a abertura dos portos não foi em vão.
Novelas como "Antônio Maria", "Meu Rico Português" e o programa "Caravela da Saudade" mostraram um pouco da personalidade dos nossos descobridores -até então inocentes vítimas das piadinhas de mau gosto.
"Nino, o Italianinho" transformou Juca de Oliveira em estrela, enquanto Záccaro e sua orquestra davam o tom da tarantella e apresentavam Dick Danelo e Tony Angeli.
Rosa Myake cantava sobre um pobre pescador, enquanto Cristina Sano interpretava a "Florzinha do Oriente".
Etty Fraser e Marisa Sanches foram inglesas, Yoná Magalhães foi espanhola, Sérgio Cardoso e Jonas Mello foram portugueses, Barbara Fazio foi libanesa e Rosamaria Murtinho foi judia.
Gilbert cantava em francês enquanto namorava Claudete Soares, tão loura quanto Annik Malvil, que também cantava em francês nos programas de humor da TV Excelsior.
Ana Rosa foi cigana e Nívea Maria foi cubana. Aracy Balabanian, de família armênia, já fez até quatrocentona.
Cláudio Corrêa e Castro e Elizabeth Hartman roubaram a cena fazendo um casal alemão.
Enquanto Roberto Leal dançava "O Vira", Emilinha Borba cantava "Rumba de Jacarepaguá", ao mesmo tempo em que Gregório Barrios ensinava o bolero ao som do assobio de Willian Furneau.
Leny Eversong cantava em inglês, Roberto Carlos passou como um furacão no Festival de San Remo cantando em italiano e Maysa cantou em francês até no Japão.
Os atabaques e lamentos dos escravos africanos se transformaram no nosso ritmo mais famoso, o samba.
E quando nesse mesmo samba se canta "Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor", todos nós, lá no fundo, sabemos que temos um pé no estrangeiro.
Se não for assim, como é que eu explico meu sobrenome, Mansfield? Aliás: já fiz papel de inglês. Duas vezes.

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