São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 1997
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Quércia defende plebiscito e ataca governistas do PMDB

CARLOS EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-governador paulista Orestes Quércia, 58, saiu do limbo ao ajudar a derrotar a tese da reeleição na convenção nacional do PMDB. "Se o presidente da República tivesse mais respeito com o PMDB, respeitaria o resultado da convenção", afirma Quércia.
Em entrevista exclusiva à Folha, Quércia diz que não vê incoerência no fato de o PMDB estar no governo e querer se comportar como oposição. Defendeu a convocação do plebiscito sobre a emenda da reeleição. O ex-governador comenta também sua reação ao saber que estava com um câncer na próstata. Leia a seguir trechos da entrevista:
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Folha - Como o sr. analisa a situação do PMDB após a convenção?
Orestes Quércia - A convenção possibilitou ao partido sentir o que a base partidária pretende. Foi uma demonstração de maturidade política do PMDB.
Folha - Não é estranho um partido com cargos no governo querer se comportar como oposição?
Quércia - É um raciocínio errado. O PMDB apóia o governo na parte administrativa, aprovando os projetos de interesse do governo, mas nos assuntos de política o partido tem de ter uma posição que independe do governo. Para isso, convocou uma convenção nacional, que é soberana, e decidiu sobre a reeleição. O presidente da República tem obrigação de respeitar. Se tivesse mais respeito pelo PMDB, ele respeitaria o resultado da convenção.
Folha - Não seria o caso de decidir a questão num plebiscito?
Quércia - Ninguém pode ser contra o plebiscito. Mas o governo não tem coragem de convocar. Plebiscito não é uma pesquisa simples. É uma campanha eleitoral, com TV e rádio. Aí, iríamos explicar o absurdo da política econômica que está paralisando o país.
Folha - A delegação de São Paulo na convenção foi majoritariamente contra a reeleição. Na bancada federal do PMDB de São Paulo, quase todos são governistas. Como o sr. analisa essa contradição?
Quércia - É uma contradição dos companheiros que estão apoiando o governo. O povo não quer um governo que está levando o país à paralisação e à miséria.
Folha - Mas as pesquisas apontam aprovação ao governo.
Quércia - Há uma grande mistificação da opinião pública por grandes interesses. O país está sendo paralisado. É o encaminhamento do Brasil para o rumo do México e da Argentina. Há um equívoco da população em razão da mistificação. Tenho certeza que estamos enxergando à frente.
A política não é feita somente em razão de pesquisas de opinião. Você tem que verificar o que vai acontecer para a frente, o que muitas vezes foge à compreensão pública.
Folha - O governador Antônio Britto (RS) disse que houve molecagem na convenção.
Quércia - O que é molecagem? A convenção soberana, livre, com imprensa, ou uma reunião dos governadores com a cúpula do partido querendo decidir pela maioria? Os governadores queriam impor uma solução goela abaixo, autoritária.
Folha - O que está em jogo não é a negociação pelo PMDB de mais espaço num eventual segundo governo Fernando Henrique?
Quércia - Não é verdade. Tenho tido contatos com o presidente Sarney, com o Jader, com o Iris, com o Ronaldo Cunha Lima e sinto que eles não têm preocupação com eventuais cargos que companheiros deles possam estar ocupando. Eles vão exigir que se cumpra o resultado da convenção sem nenhum receio.
Folha - Qual o papel do ministro de Assuntos Políticos, Luiz Carlos Santos, no caso da reeleição?
Quércia - Esse nunca pertenceu ao PMDB. É uma coisa estranha no partido. Esse aí não é nada. Ele está inscrito no partido e o Fernando Henrique o convidou para ministro até para ser uma forma de desmoralizar o PMDB, dizendo que ele pertence ao partido.
Folha - O PMDB não tem uma grande liderança nacional. Quem seria o candidato do PMDB à Presidência da República em 98?
Quércia - É outro raciocínio errado. O PMDB tem diversas lideranças nacionais. Não tem é uma liderança hegemônica. Temos pessoas como Sarney, que já foi presidente da República. Além dele, temos outras pessoas em condições de disputar a Presidência.
Folha - O sr. é apontado por muitos como um dos responsáveis pela derrocada do PMDB quando insistiu em sua candidatura à Presidência em 1994, que acabou em desastre eleitoral.
Quércia - Fui escolhido porque não tinha outras candidaturas.
Folha - José Sarney tinha índices melhores que os do senhor.
Quércia - Se a gente fosse levar pesquisas em consideração, eu não teria sido governador de São Paulo. Quem foi eleito não foi o Fernando Henrique Cardoso, foi o Plano Real.
Folha - Mas o sr. perdeu até do Enéas.
Quércia - Não houve eleição do ponto de vista normal. Houve uma eleição de fenômenos.
Folha - Justa ou injustamente, a sua administração estadual em São Paulo (87 a 91) está ligada hoje à imagem de corrupção.
Quércia - Eu tive a possibilidade de mostrar que todos os processos que foram inventados pela maldade dos inimigos foram arquivados. No caso da Vasp, por exemplo, houve um escândalo, milhões de notícias. No fim, o Ministério Público reconheceu, num parecer profundo, que não houve irregularidade na privatização da Vasp. Isso mostrou a dignidade e a transparência do meu governo.
Folha - Mas hoje o sr. tem problemas na avaliação da opinião pública. O sr. teria condições de disputar um cargo público em 98?
Quércia - Sem dúvida nenhuma. Vou disputar em 98. Não tenho ainda uma definição. Se formos ouvir a base do partido, ela quer que eu seja candidato a governador, mas eu não decidi ainda.
Folha - Mas o própria bancada estadual do PMDB aderiu ao governo Mário Covas...
Quércia - Mas todo mundo fecha comigo. O PMDB vai ter candidato a governador.
Folha - O sr. está enfrentando um câncer na próstata. O fato tem influência em seu futuro político?
Quércia - Eu acredito que não. Espero que Deus me ajude e eu me cure. Tenho 99% de chance de curar e nunca mais voltar. A radioterapia que estou fazendo vai me sarar. Às vezes, depois de oito ou dez anos, isso volta em 2 a 5% dos casos. Mas, se Deus quiser, não vai voltar para mim.
Folha - Qual foi a reação do sr. quando recebeu a notícia do problema de saúde?
Quércia - Você imagina. Foi um negócio impressionante, um choque terrível. Não existe ser humano que não baqueie.
Estou fazendo tratamento e isso evidentemente mexe com a cabeça das pessoas. Mas posso garantir que não vai afetar minha vida em nada. Estou cuidando dos meus negócios, da minha família, fazendo política, sem problema. Vou trabalhar mais 30 anos.
Folha - O sr. tem conversado com o ex-prefeito Paulo Maluf, que enfrenta o mesmo problema de saúde. Falam sobre a doença?
Quércia - Eu apenas liguei para o Maluf quando ele estava no hospital. Quando houve a convenção, ele ligou para mim para cumprimentar e dizer que foi muito bom para a luta contra a reeleição. Sobre saúde nunca falei com o Maluf.

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