São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 1997
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A coerência do dr. Barbosa Lima

LUÍS NASSIF

A comemoração dos cem anos de idade de Barbosa Lima Sobrinho é um evento nacional. O justo reconhecimento a um homem público imenso.
Junto com o centenário, aproveitou-se para celebrar a coerência, virtude da qual Barbosa Lima é o mais legítimo cultivador. Diversas vezes foi enaltecida sua coerência em contraposição aos intelectuais que pedem que "esqueçam o que escrevi".
Mas que tipo de coerência deve ser enaltecida?
Há a coerência em torno de princípios e em torno de idéias.
Os princípios devem ser imutáveis -e Barbosa Lima Sobrinho é exemplo inexcedível dessa integridade intelectual.
Ao longo da vida, sempre pensou o país e jamais cedeu a interesses menores.
Mas imaginar que a coerência nas idéias seja a capacidade de mantê-las imutáveis, qualquer que seja o contexto econômico ou social, é um exercício de imobilismo e de não-ciência.
Nos últimos 50 anos, o país passou por processos violentos de transformações.
A primeira geração de superestatais só surge nos anos 50. A burguesia industrial se consolida a partir dos anos 60. A segunda é montada nos anos 70. O sindicalismo independente nasce nos anos 80. A mídia se moderniza na segunda metade dos 80.
Como manter as mesmas análises, se são elementos de interpretação de uma realidade que mudou tão acentuadamente.
Persistir na imutabilidade das idéias, é prender-se a um niilismo inconsequente: se a realidade não se comporta como nossas idéias, é porque a realidade é falha, e não porque as idéias se desatualizaram.
Reavaliações
Cada etapa de transformações, na vida dos países, das empresas e das pessoas, deve necessariamente levar a uma reavaliação de conceitos.
E foi esse exercício intenso de reavaliar conceitos que permitiu ao país sair dos impasses dos anos 80 e encontrar o rumo nos anos 90.
É aí que entram em choque a coerência dos princípios e das idéias. Os princípios devem ser os fins; as idéias, os meios. Os princípios são imutáveis e correspondem a valores universais. É aí que deve ser exercitada a coerência.
Idéias são elementos de análise da realidade. Quem se apega demasiadamente à imutabilidade das idéias, sem atentar para as mudanças da realidade, corre o risco de se desviar dos fins.
Devem ser princípios imutáveis de ação pública, entre outros:
1) A inclusão de todos os segmentos sociais, setoriais e regionais ao universo econômico e político.
2) A busca do desenvolvimento com justiça social.
Em cada quadra da história, variam os meios para se atingir os objetivos propostos.
O papel do intelectual deve ser o de estar atento a essas mudanças, e de saber valorizar as melhores idéias que, em cada período, permitam atingir os objetivos propostos.
É a lição exemplar de outro velho notável, Alberto Hirschman.
Exemplos
Tomem-se alguns temas básicos na discussão ideológica brasileira.
No início dos anos 50, o único setor apto a bancar os grandes investimentos em infra-estrutura era o Estado. Nos anos 90, tem-se um Estado sem recursos e abundância de recursos na iniciativa privada.
Nos anos 70 tinha-se um regime fechado, que impedia a interferência política nas estatais.
Nos anos 80, um processo violento de fisiologismo com estatais, inerente ao processo democrático.
Deve-se manter o princípio: a busca do desenvolvimento. Mas como preservar a mesma análise em relação ao papel das estatais, em ambientes diametralmente tão opostos?
O grande problema da discussão política brasileira é esse tipo de "coerência".
Louve-se a coerência de princípios de Barbosa Lima Sobrinho. Mas evite-se a imutabilidade das idéias. Não se trata mais de coerência, mas da incapacidade em captar as transformações e entender o novo, e ser mais eficiente para atingir os princípios propostos.

Email: lnassif@uol.com.br

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