São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 1997
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Senador Caxias

DARCY RIBEIRO

Morreu meu senador. Foi morto, duplamente assassinado. Morreu até bem, baleado pelos latifundiários como uma voz insuportável para eles dos sem-terra. Exatamente no ano em que se comemora o centenário de Canudos, com a chacina dos milhares de lavradores pobres que seguiam o Conselheiro, rezando e pedindo terras para plantar o que comiam, levanta-se esse novo símbolo. Um senador inventado, falso, mais verossímil, porém, e mais veemente que nós todos senadores da República.
Morreu mal, entretanto, nas mãos e na pena deste admirável Benedito Rui Barbosa. Por que Benedito teve que matar o senador Caxias? Acaso ele havia esgotado o conteúdo dramático de seu papel? Nada disso. Caxias se transformou na voz tranquila de advertência de que o Movimento dos Sem-terra será condenado a tocar fogo no Brasil, se continuar entregue à chicana burocrática ou submetido às injunções judiciárias cegas para o maior problema social do Brasil.
De fato, o senador Caxias não só foi ao encontro dos sem-terra para chamá-los a ter calma, mas foi, também, ao encontro dos fazendeirões, como o Rei do Gado, para dissuadi-los da idéia de pôr uma boiada inteira dentro da Praça dos Três Poderes. Ele sabia bem que os fazendeiros produtivos, como empresários indispensáveis à economia brasileira, só podem ser defendidos se forem separados dos latifundiários montados na propriedade da terra para especular.
Via a reforma agrária como a única solução que se oferece para o gravíssimo problema brasileiro do desemprego, que condena o povo à delinquência, à droga e à prostituição. São milhões de brasileiros que só pedem um pedaço de terra para produzir sua mandioca e seu milho, criar sua vaca e suas galinhas, a fim de ter com que se ocupar e salvar seus filhos da fome e da criminalidade. Instalados no seu pé de terra, esses milhões de lavradores e de desempregados urbanos ruralizados criariam zonas de prosperidade generalizada, que o fazendeiro foi incapaz de criar. Para compreender isso, basta olhar como vive o povo onde prevalece a grande propriedade e como ele vive nas áreas de pequena propriedade.
O meu caro senador Caxias, tão bravo como tímido, era a voz mais eloquente de advertência para a gravidade do problema agrário brasileiro, para as suas virtualidades de paz e prosperidade, para renovar pela base a sociedade brasileira, mas, também, mostrar suas potencialidades explosivas.
Não tenho medo de que o Exército seja mobilizado para matar lavradores alçados. A opinião pública brasileira já não o permitiria. Mas tenho medo da guerra que o latifúndio arma para continuar agarrado a suas terras mal tidas e mal usadas.
Caxias foi calado. Por quê?

PS - Vi sexta-feira que Benedito é quem tinha razão. O senador Caxias não podia dizer nada tão eloquente quanto o que disse a morte dele.

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