São Paulo, segunda-feira, 20 de janeiro de 1997
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Ser deputada

MARTA SUPLICY

A participação na Comissão de Seguridade Social e Família na Câmara me mostrou a impotência de comissão tão importante. Votam-se centenas de projetos que nunca serão implementados. Reclama-se em reuniões sem fim sobre o descaso do Executivo em relação à saúde. E quase nada acontece.
Na penúltima reunião de 96, sugeri uma ação de impacto: acampar no hall do Ministério do Planejamento até ouvir do ministro Malan o compromisso de que não mais se desviariam os recursos destinados à saúde e que estes seriam dirigidos prioritariamente para os hospitais públicos, depois aos filantrópicos e, depois, aos privados comprovadamente não-fraudadores.
Os colegas parlamentares ficaram um pouco assustados, mas, na última reunião, já estavam quase concordando com tão extremada ação.
Esse é um exemplo da grande distância entre a apresentação de projetos de lei, legislações aprovadas e sua viabilização concreta.
Mas, após 17 meses de mandato, não estou desanimada com minhas funções. Em 1996, o Congresso Nacional sacudiu suas "teias de aranha", mexendo com temas polêmicos, proibidos e até esquecidos: drogas, homossexualidade, Aids, aborto, mulheres e desaparecidos políticos.
Em relação às drogas, nosso país deu um grande salto com a aprovação de lei que pune de forma diferente o traficante (tratado com maior rigor) e o usuário, para o qual muda o tratamento policial e se introduzem penas alternativas.
Quanto ao projeto de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, conseguimos avanços imensos: foi aprovado em comissão especial na Câmara e já está na pauta de votação do próximo período de convocação extraordinária.
Rotulado equivocadamente como "casamento gay", o projeto agora está sendo apresentado pelo que realmente se propõe: direitos patrimoniais, de previdência, seguro-saúde, nacionalidade, declaração conjunta do Imposto de Renda e consideração de renda conjunta para aquisição de bens. Não trata da mudança do estado civil das pessoas e proíbe adoção, guarda ou tutela de crianças pela parceria.
Segundo Ricardo Balestreri, presidente da Anistia Internacional/Brasil, a aprovação desse projeto muda o patamar dos direitos humanos no Brasil.
Uma boa surpresa foi a bancada feminina, que se redescobriu e se reorganizou após a 4ª Conferência da Mulher, em Pequim. Fruto dos encontros dos movimentos de mulheres de São Paulo para discutir o pós-Pequim, foi criada a campanha Mulheres sem Medo do Poder.
Essa campanha, que teve o apoio da ONU, foi encampada pela bancada feminina e resultou em uma cartilha para as candidatas a vereadora no Brasil, assim como em seminários de aprimoramento sob a ótica de gênero.
Como consequência desse esforço coletivo, a bancada feminina teve um papel de vanguarda no debate nacional sobre as questões da mulher, ajudando a aumentar o número de vereadoras no Brasil de 3,5% para 7% do total. Também influenciou a mídia nacional, que passou a se interessar novamente pelo tema da emancipação feminina.
Estão sendo planejados para 97 seminários com prefeitas eleitas e envio de projetos exitosos relacionados à mulher, como sugestões às vereadoras eleitas.
Em relação à Aids, a aprovação na Comissão de Seguridade do projeto de Geraldo Alkmim (PL 585/95), por mim reapresentado, foi uma vitória, dado o conservadorismo dos integrantes e o voto contrário do relator da matéria.
Amplia direitos de portadores de HIV, no que diz respeito a leitos hospitalares, proibição de obrigatoriedade de teste de HIV por empregadores, fornecimento de medicamentos e obrigatoriedade, para as seguradoras de saúde, de pagar o tratamento. Tramita agora na Comissão de Finanças, para depois ir a plenário e ao Senado.
Com a aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto do senador Sarney que torna obrigatório o fornecimento de medicamentos para os doentes de Aids, o tratamento dessa doença pode realmente melhorar no Brasil.
Entre os 12 projetos de lei que apresentei estão: a ampliação do direito ao aborto nos casos em que o feto não tem condição de sobrevida; a concessão do direito de visita íntima às mulheres presas; alterações do Código Penal para tipificação do assédio sexual e agravamento de pena para crimes de exploração sexual infantil, incluindo o crime dos usuários desses serviços...
Também tenho participado ativamente da Frente Parlamentar contra a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, com a certeza de que a impunidade desse crime no Brasil acaba por gerar a incapacidade de nos indignarmos perante ele.
Embora, no Congresso, muito ainda seja o de sempre -e ainda tivemos em 96 os escândalos do Orçamento e das concessões de rádio e a quebra do sigilo bancário de parlamentares-, os temas novos e polêmicos aconteceram.

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