São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997 |
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Um jogo desequilibrado
ANTONIO BARROS DE CASTRO Existe política industrial, na acepção clássica do termo, toda vez que o governo induz capitais privados a colocar recursos em determinados setores ou promove o uso de determinadas técnicas. Para acionar esse tipo de decisão, os poderes públicos tradicionalmente introduzem vantagens ou prêmios, a serem concedidos àqueles que se movam na direção apontada pela política industrial.As razões pelas quais os poderes públicos procedem dessa maneira são, fundamentalmente, duas. Primeiramente, por estarem convencidos de que, a longo prazo e para a economia e a sociedade, é vantajoso assim proceder. A segunda, igualmente importante, consiste em que estão convencidos de que é preciso elevar o lucro ou retorno esperado, para compensar os custos e riscos a serem enfrentados pelo ator privado. Marcantes exemplos de política industrial podem ser encontrados na história do pós-guerra. Assim, por exemplo, o governo do Japão anunciou em 1972 a intenção de transformar o país de uma sociedade industrial numa "sociedade da informação" no ano 2000. A ambiciosa guinada -que requeria massiva realocação de recursos- veio a ser por vezes referida como passagem da estratégia da tonelada para a estratégia do grama. ("Plan for Information Society: A National Goal Towards Year 2000", Tóquio, 1972). O êxito espetacular desse empreendimento coletivo dispensa comentários. Por contraposição, políticas industriais não existem quando os poderes públicos se negam a participar nas decisões relativas à assignação dos recursos. Há exemplos clássicos e mesmo anedóticos a esse respeito na América Latina. Por exemplo, ao tempo de Martinez de Hoz (1976 a 1981), um jornalista perguntou ao ministro da Indústria o que faria o governo diante da crise da siderurgia argentina. A resposta veio prontamente: "Se a economia argentina vai produzir aço ou caramelos, o mercado é quem vai decidir". Isso é não ter política industrial -atitude historicamente raríssima e que não caracteriza nenhum caso de industrialização exitosa de fins do século 19 em diante. Parece-me correto afirmar, no singular momento histórico em que nos encontramos, que não existem no mundo nem políticas industriais de corte clássico nem a sua assumida e consistente negação. Nos países industrializados, a mudança decorre tanto do declínio dos poderes do Estado quanto do porte e funções que vêm sendo assumidos por certas grandes empresas. Esse tipo de empresa, sujeito por excelência do processo de globalização, tem muito mais facilidade do que o Estado, os sindicatos ou mesmo as universidades para mover-se num mundo caracterizado pela velocidade das transformações tecnológicas, institucionais e de gestão dos recursos e pela necessidade de fazer e refazer alianças com os mais diversos parceiros. Atenção, contudo. Isso absolutamente não significa que o Estado tenha deixado de atuar em favor de setores ou tecnologias -especialmente nas áreas de fronteira e nas tecnologias ditas sensíveis. O que, sim, se percebe é uma considerável inversão de ordem. Os poderes públicos fazem aquilo que parece necessário para que -especialmente nos setores estratégicos- as maiores e mais dinâmicas empresas se mantenham capazes de inovar e competir. Para tanto, as referidas empresas demandam e, em maior ou menor medida, obtêm de "seus" Estados infra-estrutura atualizada, pesquisa básica ou de alto risco, incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimento -além de formas mais complicadas de apoio, como acesso privilegiado ao mercado doméstico, preferência no tocante a contratos públicos ou mesmo ofensivas nas esferas política e diplomática. Tais práticas caracterizam, inclusive -ou, melhor, destacadamente-, os "tigres" asiáticos. Na América Latina, os Estados perderam fôlego fiscal e "élan" político. As empresas locais, em regra, não souberam ou não puderam utilizar os anos 80 para habilitar-se para as duras batalhas que vinham pela frente. Em cada um desses países, no entanto, as multinacionais estão, mais uma vez, chegando. Com inusitado ímpeto, aliás. Diante delas e de suas demandas encontram-se Estados nacionais fragilizados e poderes públicos, em mais de um sentido, fracionados (por exemplo, em esferas federais, estaduais e municipais). Inicia-se, com isso, um jogo diferente e profundamente desequilibrado. Nos países desenvolvidos, recursos públicos são repassados a grandes e dinâmicas empresas locais, no fundamental, para que elas continuem inovativas -condição para que sobrevivam nos setores em que atuam. Nos países que ficaram a meio caminho da industrialização, recursos são também transferidos -cada vez mais- para que empresas cheguem (do exterior) ou troquem de endereço. Por mais que a luta pela atração de investimentos se justifique, falta, flagrantemente, visão estratégica e de longo prazo. Se no mundo desenvolvido a política industrial passou a ser feita com certa dose de inversão do comando, passando as iniciativas, disfarçada ou ostensivamente, para o âmbito das grandes empresas locais, no mundo subdesenvolvido -e na América Latina, em particular- vai-se chegando ao paradoxo em que consistem políticas industriais sem prioridades, visão de conjunto ou sentido de longo prazo. Texto Anterior: Prova de confiança; Queima de estoque; Em expansão; Déficit financiável; Estimativa pessimista; Lucro recorde; Contratos fechados; Medo do mico; Sem barganha; Boa conduta; Menos anúncios; Em alta; Efeito Mercosul; Com garantia Próximo Texto: Obrigado, Brasil! Índice |
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