São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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1968 é o ano que definitivamente terminou

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Para os jovens da geração atual, que têm entre 16 e 20 e poucos anos, o movimento estudantil dos anos 60, a luta armada e a guerrilha parecem pertencer a um passado remoto, quase jurássico, muito mais distante do que os quase 30 anos que separam o regime militar da era FHC.
Para essa geração narcisista e de índole basicamente malufista, que divide seu tempo entre as academias de aeróbica e os bares do Itaim ou da Vila Madalena, nada mais estranho do que o horizonte utópico e os projetos coletivos que animavam aqueles jovens românticos que pretendiam mudar o mundo pegando em armas.
Nada mais estranho do que aquele ambiente de "subversão global" que começou a ser gestado no início dos anos 60, quando o sucesso da Revolução Cubana, em 1959, colocou a América Latina no centro do debate internacional sobre a viabilidade do socialismo. A vitória de Fidel não era obra do Partido Comunista, a revolução não havia obedecido às etapas determinadas pela teoria -enfim, tudo sinalizava para o fato de que a utopia ganhava um fôlego inusitado no subcontinente.
À experiência cubana somavam-se os ventos da contracultura e, logo a seguir, a eclosão do movimento estudantil na Europa. O mundo ganhava ares extremados. "Se a situação nos arrasta para a violência, é que a sociedade inteira nos violenta", dizia um panfleto parisiense.
Mas esse desejo de virar o mundo de ponta cabeça não é estranho só às gerações atuais. Mesmo para a minha geração, hoje com 30 anos, a guerrilha no Brasil já foi vivida como uma aventura ficcional, como uma experiência próxima e distante.
Lembro que em 81, no colégio Santa Cruz, líamos nos intervalos das aulas, entre atônitos e deslumbrados, "Os Carbonários - Memórias da Guerrilha Perdida", de Alfredo Sirkis, que acabara de ganhar o Prêmio Jabuti. Aos 15 anos, "descobríamos" o Brasil em que havíamos nascido e crescido, mas a sensação era de que havia um abismo entre "nós" e "eles" -os ex-guerrilheiros.
Che Guevara, naquela altura, já era só uma camiseta ou um pôster na parede. No ano seguinte, os broches do PT seriam enfeites comuns; as camisetas preparadas por Henfil com inscrições como "viemos dividir o poder" viraram uniforme obrigatório.
Vendo tudo isso retrospectivamente, fica claro que minha geração já misturava sem saber solidariedade e narcisismo, confundia insatisfação adolescente e espírito publicitário, fazia das bandeiras por "justiça e liberdade" uma forma de auto-promoção da personalidade, de expansão do ego num mundo que já não rimava mais com utopias coletivas.
Fizemos sem saber a ponte entre o revolucionário que anulava sua subjetividade em nome da "causa maior" e os jovens de hoje, que agem como se fosse mônadas voltadas para o próprio umbigo.
O mundo virou essa coisa que está aí. Não vai mudar. Nunca mais poderemos falar como Rimbaud: "Oisive jeunesse, à tout asservie, par délicatesse, j'ai perdu ma vie" (juventude ociosa, de tudo servil, por delicadeza, perdi minha vida).

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