São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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Barreto 'sequestra' Gabeira

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Numa operação com todos os requintes de improvisação, um grupo de jovens classe média sequestra, em 69, o embaixador Charles Elbrick, coloca o governo americano na parede e, vitorioso, humilha a ditadura militar -eram os tempos mais agudos da tortura.
Naquele desengonçado exército, um jornalista é envolvido por crises existenciais, encanta-se com a elegância de sua vítima, mescla sensualidade com a rigidez militar, prazer com revolução, ação com sedução. Tenta ensinar cumplicidade amorosa para quem lhe ensinou pontaria. Ambos erram.
Esses os ingredientes já cinematográficos do livro "O Que é Isso Companheiro?". O filme não é histórico, mas uma adaptação romanceada do livro -que já tinha pinceladas de romance sobre a operação do MR-8 e da ALN.
Antes mesmo de começarem as gravações, o filme provocou polêmica sobre a precisão dos fatos históricos; a polêmica não acaba com o filme, que, ao contrário, vai acirrá-la. A historiografia sobre a repressão e subversão ainda engatinha para desfazer mitos.
Bruno Barreto se preocupou em fazer um filme mais preciso, entrevistando participantes do sequestro e obtendo material como manuscritos de Elbrick, morto em 83.
Na abordagem histórica, arrisca contrapor a verdade da "esquerda" à dos torturadores. Um deles passa, como Gabeira diante do embaixador, por crises existenciais. No fundo, vê no pau-de-arara um mal menor para debelar um mal maior, a praga comunista. Assim como Gabeira se dispôs a matar Elbrick, se necessário.
Barreto sugere que subversivos e torturadores estão fincados na mesma matriz, a de que os fins justificam os meios. Reitera a impressão deixada pelo livro de que os participantes da operação viviam na fronteira entre idealistas e débeis mentais. No filme, são inferiores à suposta grandeza de Elbrick.
Barreto tirou os holofotes de Gabeira -e aí se distancia do livro-, valorizando o embaixador, movido pela coleta de informações dos participantes do sequestro. Elbrick impressionou a todos pela visão aberta, pela calma, por se manter digno apesar da pressão. Um ângulo ao mesmo tempo conveniente para quem deseja um naco no mercado americano.
Por ter optado por essa mudança de rota, o filme parece mais centrado na vítima do que no jornalista, quase sequestrado pelo diretor; fato favorecido, em parte, pelo destacado desempenho do ator americano (Alan Arkin).
No fim, os dois ficaram superficiais. O filme trouxe mais luz para a figura do embaixador, mas perdeu a chance de aprofundar um personagem rico, confuso, contraditório, bem-humorado com Gabeira -é um dos bons personagens da literatura brasileira e continua a desempenhar fértil papel na política, sentado no Congresso.
Mas consegue manter o espectador atento, demonstrando habilidade na construção do suspense policial, graças ao rico elenco.
A atenção dá ao trabalho um extraordinário valor pedagógico. As sequências policiais têm tudo para atrair grandes platéias. São capazes de trazer debate, especialmente às novas gerações indiferentes ao regime militar, expondo-as à história brasileira -o que, por si só, é um bom resultado.

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