São Paulo, quarta-feira, 22 de janeiro de 1997
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Duro de engolir

GILBERTO DIMENSTEIN

Um brasileiro que vive nos Estados Unidos é levado a desconfiar dos remédios fabricados no Brasil. Exagero?
Ação que começa a tramitar agora na Justiça brasileira revela que a desconfiança não é exagerada. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e a Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos (Sobravime) querem cancelar o registro de 107 antibióticos.
É uma história exemplar de frouxidão cívica. A lista dos remédios suspeitos foi elaborada pelo próprio governo federal, em 1995, depois de análise de uma comissão de especialistas.
Foi dado prazo aos laboratórios para que comprovassem a eficácia e segurança de seus remédios. Entraram na Justiça, ganharam tempo e os "remédios" continuam nas prateleiras.
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Vamos comparar. Os laboratórios americanos são obrigados a provar ao governo a eficácia de seus remédios. Demora, em média, oito anos. O olestra, óleo dietético lançado recentemente, teve de se submeter a 25 anos de testes.
Mesmo depois de dar seu OK, as autoridades continuam atentas aos estudos que indiquem efeitos colaterais, suspendendo ou limitando sua venda.
Um exemplo: a novalgina é vendida livremente no Brasil; aqui, só com receita médica.
Não por acaso os laboratórios americanos usam México e Brasil como laboratório de testes de seus remédios, antes de aprovados nos EUA.
Mais um exemplo: Pravacol, um remédio para o coração, só recentemente recebeu sinal verde do governo americano, mas já era acessível aos brasileiros.
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Nos EUA, o governo não é a maior fonte de medo dos empresários. Aqui, eles temem a Justiça. Se um remédio fizer mal, vão tomar processos milionários.
Indenizações na casa dos milhões são raras no Brasil, mas corriqueiras nas cortes americanas. Um dos responsáveis pela anemia dos direitos individuais é o Judiciário brasileiro: fraco, sem agilidade, oferece difícil acesso aos mais vulneráveis.
Há rumores de que o silicone, implantado nos seios, provocaria doença nas mulheres. Os estudos realizados por Harvard afirmam que não há base nesses rumores. Mesmo assim, por precaução, a empresa química (Dow Coming) que produz silicone, temendo ações judiciais, já separou milhões de dólares de seu orçamento.
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PS - Quando morava em Brasília, perguntei certa vez a um recém-indicado funcionário do Ministério da Saúde o que aconteceria se eu, disfarçado de empresário, tivesse dado entrada para registro de um remédio a base de ingredientes fecais chamado "shitol". Ele admitiu que seria aprovado. "Shit", em inglês, você sabe o que é.
Nome do funcionário: Elisaldo Carlini, chefe da Vigilância Sanitária. Fazendo justiça: ninguém como ele arrumou tantas brigas com a indústria farmacêutica.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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