São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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Nova comédia mostra desencanto de Monicelli

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em seus últimos filmes, o veterano Mario Monicelli, 81, tem se dedicado a um cruel exercício de ceticismo. Se no mórbido e inspirado "Parente É Serpente" o alvo era o individualismo exacerbado do homem contemporâneo, neste "Em Busca do Paraíso" há uma inversão: os indivíduos até são dignos de afeto e compaixão, o que está errado são seus sonhos coletivos.
Por meio da trajetória de Claudia (Margherita Bay), uma garota da burguesia milanesa que se torna hippie na Inglaterra dos anos 60, Monicelli passa em revista todas as grandes utopias das últimas décadas: o amor livre, o comunismo, o feminismo, o hedonismo da era da discoteca, o esoterismo.
Claudia atravessa todos esses momentos (sua história vai até 2010, mais ou menos) carregando, além de tudo, um estigma: o de ser mãe solteira de um garoto negro.
Monicelli constrói sua história com um duplo olhar: de simpatia diante da boa-fé com que Claudia embarca em todas as ilusões, e de feroz ironia diante destas últimas.
Em contraponto ao destino da protagonista, que bem ou mal obtém uma satisfação provisória em cada um dos seus movimentos, há um personagem verdadeiramente infeliz, o eterno apaixonado por Claudia, um barbudo feio e desajeitado (Lello Arena) que não consegue lugar nem na relação amorosa nem nos embates coletivos.
Com avanços e recuos, a narrativa mantém incômodo distanciamento, colocando o espectador em situação análoga à dos pais de Claudia (Philippe Noiret e Aurore Clement), que acompanham fragmentariamente os descaminhos da filha. A perplexidade do casal diante de um mundo em perpétua transformação constitui o pólo propriamente cômico do filme.
O fato de um dos grandes criadores da comédia italiana estar fazendo filmes cada vez mais tristes e desencantados parece menos um sinal de velhice do autor do que de velhice do mundo. Ai de nós.

Filme: Em Busca do Paraíso
Produção: Itália, 1996
Direção: Mario Monicelli
Com: Margherita Bay, Philippe Noiret
Quando: a partir de hoje no Belas Artes

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