São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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Um caso de amor com SP

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Um caso de amor
Tive várias namoradas em São Paulo (espero que elas ainda lembrem, e lembrem com carinho), mas o meu caso de amor com a cidade vem de muito tempo antes. Na verdade, da época do Quarto Centenário, quando, numa excursão do colégio, visitei pela primeira vez o que para nós era a grande cidade, a cidade de nossos sonhos. Foi uma longa viagem de trem -três dias e quatro noites!- dormindo nos bancos de madeira, mas valeu a pena. Tudo era novidade, tudo deslumbramento. Podem não acreditar, mas foi a primeira vez que andamos de escada rolante -uma sensação comparável à que deve ter tido o primeiro astronauta ao desembarcar na Lua. Passamos horas na escada rolante. E passamos horas no Butantã, então uma grande atração turística, e no recém-inaugurado Ibirapuera. O hino do Quarto Centenário -São Paulo, meu São Paulo, São Paulo quatrocentão- ficou gravado em nossas cabeças; Porto Alegre é, afinal, uma cidade relativamente nova. Nunca seríamos quatrocentões.
A experiência marcou-me para sempre. Quando, mais tarde, tornei-me um adolescente rebelde e resolvi fugir de casa, para onde iria? Para São Paulo, naturalmente. Tornei-me um habitante do Bom Retiro, aprendi a comer em lanchonetes e a pedir arroz à Camões (ainda existe? O arroz com um só ovo frito, lembrando o solitário globo ocular do grande vate?). Frequentava a socialista Livraria das Bandeiras, onde, provavelmente era o único que não roubava -que que expropriava- livros.
Adulto, comecei a vir regularmente a São Paulo, na maior parte das vezes a trabalho. Deveria já ser uma rotina, mas não é. Cada vez que desembarco em Guarulhos o jovem dentro de mim acorda, em ansiosa expectativa. E há visitas obrigatórias. O Masp. A Livraria Cultura (e a avenida Paulista). Os teatros. Alguns restaurantes. A Bienal de Arte e a Bienal do Livro. Os muitos amigos, sobretudo os editores e escritores.
Há decepções, claro. Uma vez, depois de muitos anos, resolvi ir ao Bom Retiro e descobri que o Jardim da Luz tinha sido cercado. Como um apache atacando o forte, andei ao redor um bom tempo, até descobrir a entrada. Nem sempre se sabe por onde entrar.
Entre os festejos do Quarto Centenário havia um monumental espetáculo circense, no Pacaembu, e com artistas de vários lugares do mundo, da China, inclusive. Sentado na arquibancada, a meu lado, estava um garoto de Buenos Aires. Perguntei-lhe se havia visto algo assim em sua cidade.
- Todos os domingos- respondeu, olímpico.
Não tenho esta mentirosa arrogância. Continuo olhando São Paulo boquiaberto, admirado. E com os olhos úmidos de emoção.

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