São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Água leva 'por acaso' dois Welingtons em Eldorado

ROGERIO SCHLEGEL
DO ENVIADO ESPECIAL

Duas pessoas com o mesmo primeiro nome -Welington- podem ter sido as únicas vítimas fatais da enchente em Eldorado.
Quando o rio Ribeira de Iguape começou a subir rápido, na noite de quarta-feira, o ajudante de fazenda Welington da Silva Reis, 23, não correu perigo -abrigou-se na parte alta da cidade e até ajudou vizinhos a levar móveis.
Às 22h30 de anteontem, o nível de água diminuía e Welington, depois de tomar alguns copos de pinga e discutir com a namorada, Léia, saiu sozinho para dar uma volta. No trevo de entrada da cidade, a um quilômetro da casa em que estava, Welington caiu em um bueiro e se afogou.
O local tinha água pela altura da cintura na ocasião. Às 12h de ontem, já estava seco.
"Ele morreu porque estava torrado (bêbado)", diz a estudante Leonice dos Santos, 16, que, com a enchente, se abrigou na mesma casa que ele. "A Léia pediu para ele parar de beber e eles discutiram."
O corpo foi encontrado por policiais florestais às 10h30 de ontem. A presença de curiosos não se resumiu ao resgate do corpo. No necrotério, havia fila para olhar o cadáver através de um buraco de fechadura.
Desaparecido
O garoto Welington Pires, 10, não costumava obedecer sua irmã, Sueli, que toma conta dele e de outros três irmãos, embora seja apenas cinco anos mais velha.
Na manhã de quarta-feira, Sueli fazia o almoço da família e já havia advertido Welington para que não brincasse perto do rio, àquela altura já muito cheio.
Como sempre, Welington "não deu a mínima", relata a irmã. Foi ver o pessoal pegar, de cima da ponte Carvalho Pinto, melancias, latas e outros objetos e frutas que passavam boiando, ao alcance da mão. A água já começava a encobrir a ponte.
"Eu não tinha idéia do que ele estava fazendo. Acho que é o pai da família que, num dia de enchente, tem que ficar em casa cuidando dos filhos", diz Sueli.
O pai, conhecido na região como Zé Meia-Noite, estava "fazendo uns bicos", diz a filha.
No momento em que a ponte rangeu, Welington não correu, como fizeram outros que se salvaram. Estava sentado sobre o guard-rail e não se moveu.
Quando ela começou a desabar, o garoto ainda tentou um mergulho para longe. Mas amigos da família dizem que foi pior -teria batido a cabeça em uma balsa que, horas antes, encalhara sob a ponte.
"Pegou na testa e o pessoal que estava em volta diz que nem viu ele se debater. Mas muitas outras pessoas se salvaram."
Sueli diz que está triste. "Eu gostava dele, embora ele não me obedecesse. Ele dormia no meu quarto e eu já chorei quanto entrei lá e vi as coisas que ele usava".
Nas estatísticas oficiais, Welington ainda é um "desaparecido". Na casa de sua família, todos falam dele usando o verbo no passado. "A gente já considera ele morto", diz Sueli.
(RSc)

Texto Anterior: Polícia arma esquema para evitar saques
Próximo Texto: Acesso a hotel é por barco
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.