São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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O escritor que sobrou do Vietnã

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Como boa parte de sua geração, o escritor norte-americano Tim O'Brien -que chega agora ao Brasil com "No Lago dos Bosques"- sofreu um trauma irreparável.
A possibilidade de ter as pernas arrancadas por uma granada, ser alvejado por um inimigo que nunca viu ou, por insanidade, ter finalmente encontrado o inferno matando civis inocentes.
"Por muito tempo, depois da guerra do Vietnã, eu estava obcecado pela minha experiência na guerra... Não, quero dizer, não obcecado, mas viciado psicologicamente e espiritualmente. A minha escrita recebeu muita atenção porque eu só escrevia sobre as experiências da guerra."
O'Brien, 51, serviu no terceiro pelotão da infantaria 46, entre 1969 e 1970. No meio de uma batalha -e também no pouco intervalo entre elas- decidiu pela literatura no lugar de qualquer outra coisa.
Tornou-se, rapidamente, uma estrela entre os novos romancistas surgidos na América a partir da década de 70.
Ele é o companheiro de golfe do escritor John Updike. Um dos favoritos das revistas "Esquire" e "The New Yorker", vencedor rotineiro dos prêmios de ficção de seu país e, até agora, um escritor inédito para os brasileiros.
Seu "gênero" recebeu dos críticos o adjetivo de "realismo sujo". As frases são terrivelmente curtas. Posa para fotos, invariavelmente, com um boné de seu time de beisebol. O romancista e contista é, literalmente, um sobrevivente.
"O Vietnã era o centro da minha vida", contou O'Brien à Folha, de sua casa, no Estado da Virgínia. "E foi o que me tornou um escritor. Eu não sei como essas coisas acontecem... Era tão jovem quando fui para o Vietnã, tinha apenas 22 anos e não sabia o que fazer da minha vida."
Terra do peru
Nascido em Minnesota, para depois ser criado por seus pais em Worthington, a "capital mundial do peru", O'Brien conseguiu no agitado ano de 1968 um diploma em ciências sociais e, também, um certo cinismo em relação à maneira que os EUA interferiam nos assuntos de um país do Oriente.
Não era um hippie ou um jovem politicamente engajado nos ideais revolucionários. Era apenas um descrente.
"Muitos americanos ainda hoje não estão aptos a enfrentar o que aconteceu. Tentam esquecer mentindo a respeito da própria história. Fingindo que nada nunca ocorreu."
Quando retornou, seguiu para a Universidade de Harvard para continuar os estudos e se engajou no jornalismo, conseguindo uma oportunidade no diário "Washington Post".
Naquela época, o jornal tentava derrubar o presidente da nação. Richard Nixon, um dos vilões e, para muitos, bufões da guerra.
"Se Eu Morrer na Zona de Combate, Me Coloque em um Caixão e Me Mande para Casa" foi publicado em 1973. Um trabalho memorialístico, um acerto de contas que fez parte de uma grande leva de escritos de ex-combatentes.
A ficção aparece dois anos depois com "Northern Lights", e o reconhecimento público com "Going After Cacciato", em que conta a história de um soldado que decide fugir da guerra.
Venceu, com o livro, o National Book Award. Apenas em 1990, com "The Things They Carried", equilibra sua angústia.
My Lai
"'The Things' me ajudou muito a colocar o Vietnã para fora da minha escrita e da minha vida. Ao menos um pouco mais para fora. O Vietnã ainda tem um papel muito grande em "No Lago dos Bosques", mas o país não é mais predominante na história. É apenas parte dela."
Uma parte não exatamente ínfima. "No Lago" (ed. Marco Zero), um político americano, John Wade, vê sua carreira naufragar porque seus eleitores descobrem que ele estava no massacre de My Lai, quando tropas americanas chacinaram uma aldeia de civis.
"Para John, a guerra está presente porque ele esteve no massacre. A nação americana também está comprometida com outros massacres. Nós fizemos com índios. Fizemos também com escravos."
"E, assim como John, a América, apesar disso, quis também produzir boas coisas. O que aconteceu no Vietnã para que pudéssemos fazer coisas tão terríveis?
"O Vietnã foi uma guerra em que não sabíamos onde estava o inimigo e nem quem ele era. Estávamos na terra do inimigo e, quando o encontrávamos, não tínhamos clareza de nada do que estávamos fazendo. Tínhamos apenas um tipo de cegueira em relação ao que acontecia nos campos.
"O que estávamos realmente fazendo? O que somos nós afinal? Não sabíamos nada da história do Vietnã, de sua cultura, do seu povo. Nós caímos ali, tropeçando contra um desejo de uma nação."
Tim O'Brien, apesar do discurso e do desejo pelo contrário, ainda não conseguiu colocar tudo o que desejava para fora. Alguma coisa da guerra continua.

Livro: No Lago dos Bosques
Autor: Tim O'Brien
Lançamento: Marco Zero
Quanto: R$ 25 (223 págs.)

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