São Paulo, sábado, 25 de janeiro de 1997
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Grupo utiliza versão primitiva da guilhotina

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT"

O Grupo Islâmico Armado (GIA), o mais violento dos adversários fundamentalistas islâmicos do governo argelino, vem utilizando uma nova máquina nos subúrbios de Argel, capital.
Trata-se de uma versão primitiva da guilhotina: um aparelho simplificado para decepar cabeças, com uma lâmina de ferro à qual suas vítimas são sujeitas depois de ser arrastadas de suas casas.
Segundo os habitantes de Argel, a guilhotina chega montada num caminhão. Os militantes do GIA arrancam as vítimas de suas casas, enchem suas bocas de jornal e as guilhotinam no próprio caminhão, antes de sair em busca de outros "inimigos do Islã".
Como sempre, o mês sagrado do ramadã se fez acompanhar de um novo banho de sangue nas cidades vizinhas à capital. A mais recente onda de atentados a bomba e degolações já matou tantos inocentes quanto aqueles que foram mortos pela Organização do Exército Secreto (OAS) nos últimos dias do domínio francês, em 1962.
Nos povoados de Beni Slieman, 57 civis foram massacrados, dos quais 49 eram fiéis que rezavam na mesquita de Sidi Abdelaziz e foram mortos a machadadas e facadas por 50 homens armados que invadiram o local durante o culto noturno, na semana passada.
Outros cinco foram decapitados em Bouchrahil. Outros dez (é possível que o número seja maior) morreram quarta-feira na explosão de um carro-bomba na zona comercial de Boufarik, que também deixou 30 feridos, logo após o final do jejum do ramadã, quando os habitantes da área saíam de casa para comprar comida.
Até o Irã e o Hizbollah, libanês, que se referem a seus "irmãos" que combatem forças do governo argelino, se mostram chocados pelas mais recentes atrocidades.
Quem controla o GIA? Quem tem algo a ganhar com os atos de selvageria perpetrados diariamente na Argélia? O governo vem mantendo silêncio, fato que desperta a ira dos poucos jornais de propriedade privada que ousam criticar o regime.
O braço armado da Frente de Salvação Islâmica (FIS) -cuja vitória certeira nas eleições de 1992 foi cancelada, provocando a guerra civil atual- afirma que as autoridades infiltraram o GIA e vêm incentivando a carnificina, com o fim de desacreditar a oposição.
O governo, por sua vez, atribui as mortes ao "terrorismo fundamentalista".
Para os argelinos comuns -e especialmente para os milhões de residentes na área em torno de Argel (pois Orã e outras áreas têm estado relativamente livres da barbárie)-, a vida diária é permeada pelo terror contínuo.
Pelo menos 23 civis morreram -segundo algumas estimativas, teriam sido 42- num carro-bomba que explodiu no bairro operário de Belcourt, em Argel.
Outros dez morreram quando uma bomba explodiu ao lado de um ônibus na parte alta da cidade, perto do monumento em homenagem ao milhão de argelinos mortos na guerra de independência, travada contra a França entre 1954 e 1962. Os responsáveis pelo atentado não poderiam haver escolhido um local mais simbólico.
No entanto, apenas duas semanas atrás alguns ministros do governo voltavam a afirmar que o país enfrenta apenas um "terrorismo residual".
Num raro ato de coragem, o jornal "Le Matin" acusou o governo de "o delito do silêncio". Segundo o jornal, o governo "deveria falar ao povo agora, neste momento de luto e lamentação para confortá-lo e partilhar de sua agonia".
O "Liberté" indagou como os atentados a bomba podem continuar ocorrendo depois de tantas supostas "vitórias" anunciadas pelas forças de segurança contra seus adversários armados. "De onde estão vindo todas essas bombas? Como podem ser fabricadas com tanta facilidade? Quem são os mentores dessa violência?"
Dois meses atrás o premiê argelino afirmou que 80 mil argelinos já haviam morrido na guerra. Segundo o FIS, seriam 120 mil. Mas o governo se mantém em silêncio.

Tradução de Clara Allain

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