São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 1997
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A responsabilidade histórica de FHC

JOSÉ DIRCEU

Vocês já imaginaram se o presidente Fernando Henrique, seus ministros, principalmente Paulo Renato e Sérgio Motta, e os líderes do PFL e do PSDB dedicassem os mesmos furor, empenho, tempo e recursos que estão empregando para aprovar a reeleição para fazer a reforma agrária? Para reconstituir o sistema público de saúde, educação, acabar com a corrupção e o fisiologismo, com a violência nas cidades?
Pois é. Por que será que FHC quer oito anos de mandato e a reeleição já, e pelo Congresso, mesmo ao preço que está pagando? Porque FHC e o grupo que está no poder caminham para o autoritarismo. Estão imbuídos da idéia de que são a elite esclarecida, e ele, o déspota que vai conduzir o Brasil nos próximos 20 anos.
Tanto a introdução da tese da reeleição agora como a defesa do mandato mais longo e a ausência de maioria para aprová-lo só revelam a profunda crise do sistema político institucional desenhado na Constituição de 88, que não rompeu com a herança da ditadura militar. Estamos ainda pagando o preço da conciliação via Colégio Eleitoral e Constituinte congressual, convocada e organizada nos moldes da "legalidade" herdada da ditadura.
A defesa da continuidade político-administrativa garantida exclusivamente pela pessoa do chefe do Executivo, a centralização do poder nas mãos do grupo palaciano do PSDB-PFL e a rebelião na convenção do PMDB são os elementos reais da crise do sistema institucional e partidário e não a traição deste ou daquele político.
Quando FHC e o grupo palaciano insistem em manter o instituto da medida provisória intacto, exigem a reeleição sem desincompatibilização no Congresso, apelam para a mentira institucional na propaganda -como na ditadura e no "milagre"- e trabalham para deslegitimar e desqualificar as oposições, sejam de esquerda ou direita, transformadas em inimigas a serem destruídas, estão não apenas congelando o atual quadro institucional, mas avançando para o autoritarismo.
A governabilidade ou a continuidade administrativa não serão garantidas pela reeleição e sim por uma ampla reforma política e institucional que aprofunde a democracia.
Mas o Príncipe tem aversão ao conflito, à pressão, e a economia neoliberal não foi feita para a sociedade e para a cidadania e sim para bancos, corporações, lucros e negócios. Não existem o social, o institucional-jurídico-público, só o privado, as regras jurídicas e o arcabouço institucional para o privado.
A aliança entre o poder econômico, a imprensa, principalmente TV e rádio, e o poder representado por FHC vai destruir a nascente democracia brasileira. Trata-se de um incentivo descarado à radicalização da vida política brasileira e um estímulo às saídas não-institucionais, e a responsabilidade por esse fato histórico é tão somente do Príncipe. Ele sabe o que está fazendo.
Além do oba-oba da propaganda governista e dos porta-vozes dos grandes negócios, são públicas e notórias a fraqueza da estabilidade brasileira e a necessidade de reformas estruturais e enfrentamento do desafio da integração soberana e ativa no mundo de hoje. Estamos aumentando a potência de uma bomba de efeito retardado nos campos fiscal, externo, social e institucional.
O governo FHC e seus aliados não podem adiar a decisão da reeleição para um plebiscito ou referendo. Sabem que esse paraíso, cantado em verso e prosa pela mídia, é pura ficção. Está aí o MST para lembrar-nos o Brasil que a propaganda esconde. Por isso têm de aproveitar o estado de hipnose da sociedade para impor a reeleição via Congresso.
Não suportam três meses de desgaste político enfrentando a oposição, com direitos iguais de TV e rádio e comícios e manifestações, por uma única razão: não sabem o que acontecerá com a economia, não têm segurança. Não nos enganemos. Trata-se de uma camarilha como outras que já dominaram nosso Brasil e dominam tantas nações -podem enganar o povo ou uma grande parcela da sociedade, como fizeram a ditadura, com o Brasil do "milagre", e Collor, mas não ficarão impunes nem vencerão.

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