São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 1997
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Universidade pública e credibilidade

FLÁVIO FAVA DE MORAES

Episodicamente, embora cada vez com maior frequência, os órgãos públicos sofrem violentas agressões, que visam sobretudo dois objetivos principais: desqualificar as instituições e desacreditar os seus gestores e as suas responsabilidades.
No Brasil, campanhas desse tipo vêm sendo perpetradas de alguns anos para cá, em nome de um modismo ideológico nem sempre bem-intencionado, de privatização a qualquer custo de certas atividades nacionais.
Tal estratégia é, no momento, bastante visível em relação ao ensino público em geral e, especialmente, às universidades estatais, cuja desestabilização é claramente estimulada por manifestações supostamente influentes, e às vezes nem tanto, oriundas de alguns setores do governo, do próprio sistema educacional e do setor privado.
De modo geral, os ataques são desfechados segundo a tática preferida dos fracassados e ressentidos, qual seja, avançar com propostas plagiadas, resultados dúbios e acusações virulentas e aéticas contra os competidores. É como descarregam a frustração de ter o seu "êxito" profissional e social ignorado pela comunidade e reconhecido apenas pelos próprios egos.
É sintomático que, na maioria, os inconformados autores dessas campanhas de autovalorização pelo desmerecimento alheio exercem ou exerceram funções de maior ou menor hierarquia no sistema educacional público.
Mas, como parasitas pagos e crônicos, não têm o mínimo escrúpulo em agir como predadores do sistema que neles investiu. Oferecem a sua "competência" após comovida louvação sobre o velório da escola pública, à semelhança dos mafiosos que, chorando convulsivamente, juram vingança junto ao morto de cujo assassinato são os maiores responsáveis.
Todo sistema educacional, público ou privado, apresenta as suas mazelas (similares ou peculiares), cujas vítimas mais significativas e inocentes são os alunos, ou melhor, a sociedade. Os dois segmentos são necessários e devem coexistir harmônica e cooperativamente para o benefício dos jovens.
O importante é que cuidem de forma permanente do processo de avaliação, assegurando, em consequência, o seu aperfeiçoamento contínuo. Além disso, a avaliação bem conduzida exerce excelente mecanismo de controle de qualidade e acaba apresentando inexorável visibilidade -e resultante julgamento- de sua verdadeira liderança ou falsa credibilidade social.
Tomando a USP como exemplo, os ataques são ainda mais impertinentes. Poucas universidades no mundo têm a sua magnitude e tão alto conceito de excelência acadêmica.
No Brasil, a sua história, como o maior centro de formação de mestres/doutores e de pesquisas, registra feitos como os primeiros transplantes em órgãos humanos, o primeiro computador, o controle de nefastas pragas agrícolas, valiosas contribuições nas artes e humanidades, sua presença na Antártida e sua cooperação oceanográfica na soberania nacional sobre 200 milhas marítimas, entre outras.
Isso é fruto de trabalho árduo e entusiástico, que envolve, sem gongorismos, visão clara de justiça, liderança e firmeza nas decisões. Mas é sobretudo com a disposição para a ação em equipe que a USP tem conseguido a permanente e dedicada mobilização de seus dirigentes, docentes, funcionários e alunos na valorização e contínua busca de maior eficiência, sem personalismo.
Com essa unidade de propósitos, tem-se podido atender às expectativas da sociedade que a sustenta, mas que cobra, em contrapartida, um desempenho compatível com a sua tradição e a importância de tão rico patrimônio.
A eficiência é ainda mais exigida por se tratar de uma universidade pública e gratuita que oferece ensino, pesquisa e atividades de extensão a 38 mil alunos de graduação, 20 mil de pós-graduação e 100 mil de extensão, além de incontáveis programas de apoio tecnológico e de assistência social. Um universo que inclui da família uspiana a empresas de variadas dimensões, com diferentes níveis de incorporação tecnológica e segmentos demográficos de idosos e crianças socialmente carentes.
Em São Paulo, com a autonomia constitucional, a universidade pública melhorou a gestão, obteve o equilíbrio orçamentário, racionalizou a demanda de pessoal, otimizou os processos administrativos, aumentou a captação de recursos, intensificou o intercâmbio com outros centros universitários e melhorou todos os indicadores de ensino, pesquisa, extensão e cultura.
O êxito ou o fracasso do direito à educação em qualquer sistema está subordinado a inúmeros vetores, que, isoladamente, podem não justificar o tipo de resultado ou mesmo a sua inexistência. Ética, discrição, austeridade, probidade, ponderação, tolerância e decisão são atributos necessários aos participantes de quaisquer ações de cidadania, notadamente quando no exercício de função pública paga pelo povo.
Nesse particular, deve-se expressar à maioria dos docentes, alunos e funcionários o mais enfático agradecimento pelo quanto contribuem para a credibilidade da universidade pública. É nessa ação dedicada, competente e silenciosa, decorrente de invejável vocação, que a universidade fundamenta passado, presente e futuro. Por isso, a história da USP é exemplo referencial que continua orgulhosamente sendo seguido, lapidado e compartilhado por muitos, embora para "poucos e pequenos" seja fonte de rancorosa inveja, indisfarçável ciumeira e alvo predileto.
A boa universidade pública no Brasil resistirá e sobreviverá pelo seu capital humano e está convicta de que há espaço para todos os que, dentro dos limites honestos de ação, querem contribuir, pela educação qualificada, com o desenvolvimento do país. Afinal, como escreveu Shakespeare, "a glória do tempo acalma reis belicosos, desvenda disfarces e traz à luz a verdade".

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