São Paulo, quarta-feira, 29 de janeiro de 1997
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Café solúvel

ANTONIO DELFIM NETTO

Hoje todos têm consciência de que o problema externo brasileiro não reside apenas no déficit em conta corrente, nem na forma de financiá-lo, mas sim na baixa expansão de nossas exportações. Com relação ao déficit é clara a inconsistência da política, como demonstraram com um exercício aritmético os economistas Ruben Almonacid e Gabriel Scrimini no artigo "A mágica do dr. Gustavo", publicado na "Gazeta Mercantil" de 9 de dezembro último.
É evidente que o problema das exportações não se reduz à valorização do câmbio -ainda que este seja o mais importante. Na verdade o Brasil abandonou há muitos anos a sua política exportadora e tem descuidado da defesa do seu comércio mundial, transigindo, postergando e, no final, negociando mal.
O caso do café solúvel brasileiro é exemplar. Ficamos discutindo durante alguns meses se devíamos ou não restringir as importações chinesas, beneficiárias de todo tipo de subsídios implícitos e explícitos no país de origem.
Enquanto isso a China, sem dar confiança para o Brasil ou para a Organização Mundial do Comércio (à qual, aliás, não pertence), continua taxando o solúvel brasileiro em 67%!
A tabela abaixo dá as tarifas alfandegárias que incidem sobre o café solúvel na Comunidade Econômica Européia:

1996 1997
Brasil 9,0% 10,1%
Índia 8,6% 5,3%
México 8,6% 5,2%
Países Andinos 0 0

O mais curioso é o resultado das "consultas múltiplas" do governo brasileiro. Ele revela a tranquilidade com que se concedem facilidades políticas à custa do patrimônio do nosso setor privado. Assim, por exemplo, o solúvel brasileiro para entrar na Argentina paga 18% de tarifa alfandegária, mas o solúvel argentino entra no Brasil pagando apenas 2%.
Mais escandaloso do que isso é o que ocorre no comércio interzonal: o café solúvel colombiano entra na Argentina com a tarifa zero. No caso do Chile o solúvel brasileiro paga uma tarifa de 7,7%, enquanto o colombiano entra com a tarifa zero.
Para completar o quadro de descuido das autoridades, basta revelar que para entrar na Polônia o café solúvel brasileiro paga 25% de tarifa, enquanto o colombiano paga apenas 17,5%.
Aparentemente, a única forma de melhorarmos nossa posição é ou o Itamaraty "hablar español" para ter maior sucesso ou o Brasil dedicar-se com afinco à produção de coca para obter dos outros países uma redução tarifária à custa da promessa de que vai combatê-la...
Esses são apenas alguns exemplos da discriminação que aceitamos pacificamente para nossos produtos. A expansão das exportações exige um esforço combinado interno e externo.
Internamente, transformar o setor exportador no mais rentável e de menor risco e elevar o seu "status" social. Externamente, trabalhar agressivamente para eliminar as barreiras que nos limitam.

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