São Paulo, quinta-feira, 30 de janeiro de 1997 |
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Kureishi se apropria do pop em 'O Álbum Negro'
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Em "O Álbum Negro", o inglês Hanif Kureishi -autor também do livro "O Buda do Subúrbio" e roteirista de filmes como "Minha Adorável Lavanderia" (Stephen Frears, 85)- volta mais envolvido que nunca pelo pop. O título do romance é alusão direta ao "Black Album" de Prince (leia texto ao lado), fio condutor indireto da trama. É apenas a principal de uma enxurrada de referências ao pop, que vai de Marvin Gaye a Donna Summer, de Bob Dylan a Madonna. No curso do livro, entretanto, a primazia pop vai se anuviando, conforme se passa a suspeitar que o "álbum negro" seja, na verdade, "Os Versos Satânicos", livro pelo qual Salman Rushdie atraiu a ira dos aiatolás iranianos. Explica-se: "O Álbum Negro" é o flagrante de um período curto -o mesmo do não-lançamento do disco de Prince e da perseguição a Rushdie pelos islâmicos- da vida de Shahid, jovem descendente de paquistaneses (mais ou menos como o autor) que se estabelece numa faculdade londrina. Sem amigos, envolve-se com um grupo de muçulmanos liderados por Raiz, defensor de pureza de princípios que em vários de seus seguidores irrompe pelo fanatismo. Ao mesmo tempo, Shahid se envolve intelectual e romanticamente com a libertária professora Deedee Osgood (uma Camille Paglia européia), o que gera a tensão que dá todo o sentido à história. Shahid oscila entre o fundamentalismo oriental de Riaz e o ateísmo ocidental da professora -que o apresenta ao mundo dos astros pop, do ecstasy e dos clubes noturnos de Londres. Com ele, o leitor oscila em nunca saber a que lado o herói -ou, mais fundo, o próprio autor- vai pender. Estabelece-se um "habitat" em que a melopéia de Kureishi parece se desenrolar rumo à despriorização pós-modernista que na superfície o autor pretende debater. Aí, surpresa: há moral da história, há posicionamento, há desfecho fora do caos apriorístico do pós-moderno. E, no centro da artilharia, Kureishi se expõe a todos os fogos -da ira cristã, fundamentalista ou atéia. O autor estabelece, afinal, sua crítica à (pós)modernidade, tomando um partido com todos os riscos que isso implica (aos lados "perdedores" não faltarão argumentos de crítica e ataque). Tal partido não é o dos católicos, o dos islâmicos ou o dos ateus, mas o da crítica dialética a quaisquer facções, inclusive a da estruturação social/política/cultural da sociedade de fim de século. Claro que os cacos da era da fragmentação caótica de todos os estratos caem também sobre a crítica de Kureishi. Assim, ele cria o romance de citações em que a familiaridade com o erudito é tão necessária quanto a com o popular -só conhecendo a um tempo Lyotard e Sly Stone o leitor embarcará à toda na aventura. E só esse leitor poderá, ao final, fazer a síntese proposta por Kureishi, entre Salman Rushdie e Prince, figuras-ícones da mácula indelével causada pela imbricação entre Oriente e Ocidente, entre branco, negro e asiático, entre alta e baixa cultura. Afinal Prince e Rushdie são, ambos, autores de álbuns negros na mais positiva acepção que o rótulo "negro" possa ostentar -a mesma que Kureishi e os 90 conferem à sexualidade, à vida selvagem nas grandes cidades, à convivência globalizada entre todos os terrestres. São tais as questões que fazem a curva deste ao outro século. Livro: O Álbum Negro Autor: Hanif Kureishi Lançamento: Companhia das Letras Quanto: R$ 28 (283 págs.) Texto Anterior: Blur estréia "Beetlebum" com show para 2.000 pessoas Próximo Texto: "Black Album" de Prince virou mito Índice |
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