São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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A CPMF, os pobres e os preços

MAILSON DA NÓBREGA

Imposto travestido de contribuição, a CPMF, como qualquer iniciante em economia e finanças sabe, é uma tremenda agressão à técnica moderna de tributação.
Mesmo os entendidos que a defenderam, usando o argumento da necessidade de recursos para a saúde, reconheceram que se tratava de um imposto ruim.
Tão desagradável quanto a violência são as explicações do governo. Primeiramente se disse que assalariados e aposentados de baixa renda nada pagariam, pois a CPMF não incidiria sobre rendimentos de até três salários mínimos.
Não é verdade. A CPMF, um imposto em cascata, incide sobre ela mesma nas diversas etapas do processo produtivo. É um custo. A Fiesp calculou que a alíquota de 0,20% se transforma, só na indústria, em 1%.
Assim, quando os pobres compram alimentos e outros bens, estão sofrendo o efeito da CPMF sem perceber. O engodo se mistura com perversidade, pois eles pagam, proporcionalmente à sua renda, mais do que os ricos.
Aí veio o governo e buscou tranquilizar os pobres: afirmou que a CPMF não seria repassada aos preços em face da grande concorrência no mercado.
Também não é verdade. A CPMF não interfere na concorrência interna. Na realidade, privilegia (outra perversidade) empresas localizadas no exterior, pois incide um número menor de vezes sobre seus produtos. Domesticamente, pouco ou nada acontece nesse campo.
Nos bens nacionais de características semelhantes, pode haver uma diferença desprezível no custo do imposto entre eles, em face da incidência em cascata e de pequenas distinções na maneira de produzir e comercializar o produto.
Se a CPMF fosse um imposto indireto decente, não haveria nem sequer essa pequena diferença. A tributação correta sobre o consumo é neutra quanto aos preços.
Repetindo: o repasse da CPMF não influenciará as condições de concorrência de um bem produzido ou comercializado por uma empresa relativamente ao de seu concorrente. Ambos, empresa e concorrente, pagarão o mesmo imposto.
É certo que há empresas informando que não repassarão a CPMF. Por certo, é estratégia de marketing ou erro crasso.
No primeiro caso, elas já deveriam estar preparadas para reduzir margens, por alguma razão. O imposto evitará a queda do preço.
Se as empresas não estiverem preparadas para a redução de margem, a absorção da CPMF será um erro que poderá levá-las desnecessariamente a enfrentar dificuldades, o que não é saudável.
Sem argumentos, o governo partiu para o autoritarismo: ameaçou proibir o repasse da CPMF aos preços. É o que teria dito o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.
Em qualquer sistema tributário sério, as empresas pagam impostos sobre a propriedade e o lucro e certas contribuições sobre a folha de salários. Impostos indiretos são pagos pelo consumidor. A empresa é apenas responsável pelo recolhimento.
Nos países onde o imposto indireto incide sobre a venda ao consumidor, a esta se acresce explicitamente o seu valor. Quem já comprou algo nos Estados Unidos sabe disso. O imposto é calculado na hora e repassado formalmente ao preço. Nada a ver com ganância, mas com a lógica da tributação.
Se a tese do DPDC fosse correta, a CPMF equivaleria a um Imposto de Renda ou teríamos retornado ao controle de preços.
Se virasse, na prática, um Imposto de Renda, o governo federal teria passado a perna nos Estados e municípios e nas regiões menos desenvolvidas.
Os governos subnacionais têm direito a 44% da arrecadação do Imposto de Renda e os fundos de desenvolvimento regional a outros 3%. Com a cobrança disfarçada, o governo federal ficaria com os 100%.
Na prática, mesmo que uma ou outra empresa negue, é difícil evitar o repasse da CPMF aos preços. Na Suíça ou no Japão, países de inflação muito baixa, o efeito seria claramente percebido.
No Brasil, onde a inflação ainda é alta quando comparada à das economias maduras, pouco se notará. O fim da indexação generalizada se encarregará de reduzir ainda mais o seu impacto inflacionário.
O ministro da Fazenda admitiu recentemente que há algum efeito da CPMF nos preços. Correto. É melhor falar claro do que tentar explicar o inexplicável.

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