São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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Resgatar o valor da produção no imaginário nacional

ALDO REBELO

Brasil, o Real não basta! Não passa dia sem que alguém diga isso. Da OCDE, do Banco Mundial e do FMI aos analistas econômicos locais, passando pelas grandes figuras da economia internacional que de vez em quando passam por aqui para nos dizer o que fazer, para não falar das nossas próprias autoridades da área econômica, tornou-se voz corrente dizer que, se o ajuste fiscal não for feito -isto é, um profundo corte nas despesas do governo-, o plano de estabilização estará comprometido.
Quando recomendam esses cortes, naturalmente estão pensando basicamente em demissões de funcionários, cortes nas verbas destinadas à Previdência Social, aos investimentos públicos e aos serviços sociais. Deixar de pagar os juros de agiota que engordam a bolsa e o bolso dos credores do governo, nem pensar.
Eu também gostaria de dizer que o Real não basta, mas por razões muito diferentes. Sinceramente, não penso que o déficit público, mantido dentro de padrões razoáveis, possa comprometer a estabilidade da moeda, desde que o dinheiro obtido por meio da dívida pública seja bem utilizado.
O crédito é uma instituição mais antiga que o próprio capitalismo. Nenhum de nós, se em algum momento de nossas vidas, não tivesse recorrido ao crédito, teria casa, carro e mesmo outras coisas de menor valor, como geladeira, televisão e eletrodomésticos. Nos países desenvolvidos, as empresas trabalham, não raro, com recursos de terceiros que são duas a três vezes seu patrimônio líquido.
Não há, portanto, por que achar que os governos não devessem tomar dinheiro emprestado para fazer coisas necessárias e que seu fluxo de caixa, isto é, sua arrecadação tributária corrente, não permite fazer. Desde que os recursos obtidos via dívida pública tenham destinação adequada, de modo a gerar no futuro as receitas para seu pagamento, não há o menor problema no fato de o Estado endividar-se.
Despesas com a melhoria da infra-estrutura material e tecnológica do país não são gastos, são investimentos. O mesmo vale para a saúde e a educação e, principalmente, para a erradicação da miséria que ainda assola grande parte do país. Todo o dinheiro gasto nessas coisas, se for bem gasto, será mais do que compensado pelos benefícios futuros. Nenhum país dos que hoje chamamos desenvolvidos conseguiu alcançar esse estágio sem investir pesadamente no aumento da renda e na melhora das condições de vida do conjunto de sua população.
O grande risco que o Brasil corre, a meu ver, é que, ao eleger como prioridade absoluta o combate à inflação -na base da sobrevalorização do câmbio e de juros altos- e tentar compensar os efeitos deletérios dessa política cambial e monetária esteja, para usar uma linguagem figurada, "queimando as pontes". Evita que o inimigo -a inflação- o alcance, mas se encolhe e reduz cada vez mais sua margem própria de manobra.
A única maneira de garantir uma estabilidade duradoura é resgatar no imaginário nacional o valor da produção. É preciso produzir, cada vez mais e melhor. Criar novos empregos, elevar a renda real dos trabalhadores, conduzir nossa indústria para novos patamares tecnológicos e para setores mais dinâmicos, que gerem maior valor agregado por trabalhador.
Esse tipo de política não combina com o receituário neoliberal do Estado mínimo, que o governo está adotando. A estabilidade é apenas um passo, mas, se for transformada no único objetivo da política econômica, não iremos a lugar nenhum.
A Bolívia também realizou, alguns anos atrás, um programa de estabilização bem-sucedido. Isso não a impediu, contudo, de continuar um país miserável e estagnado economicamente. A Argentina estabilizou os preços à custa da destruição de seu parque industrial.
Só em São Paulo, em 1996, a indústria perdeu 170 mil vagas. O número de falências no Brasil foi recorde em 1996: 4.100 falências decretadas de janeiro a novembro, 7,1% a mais que no ano anterior.
A estabilidade macroeconômica é apenas uma condição necessária para o desenvolvimento industrial e econômico de um país. Se este último não for resgatado enquanto grande objetivo nacional, nos tornaremos apenas um grande empório onde o número de pessoas procurando emprego de vendedor acabará sendo muito maior do que o de pessoas com renda para comprar.

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