São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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Regra das 15 faltas resgata o direito de jogar

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Mestre Armando Nogueira chegou à respeitável marca dos 70. Não chega a ser um recorde, se comparada à do centenário Barbosa Lima Sobrinho, que ainda outro dia vi na TV dando aulas de civismo à nossa gente, sempre tão jovem, sempre tão ingênua.
Mas o feito de mestre Armando Nogueira não é ter chegado aos 70, simplesmente, e sim como o fez: sem alarde, discretamente. Sob o disfarce da elegância no texto e no gesto, o sacana foi driblando o tempo, enganando os amigos, e, de repente, pronto, surge todo pimpão e anuncia: "Cheguei aos 70!".
E chegou, não só batendo sua bolinha de tênis (quem me dera...) ou a bordo de seu sonho ultraleve, mas em plena e jovial lucidez.
Querem uma prova? Sua coluna de outro dia, quando apõe sua valiosíssima assinatura ao revolucionário, avançado e redentor projeto da regra das 15 faltas.
Não são poucos os que, caminhando tropegamente na metade de sua marca olímpica, se insurgem contra tal mudança. E o que é pior: na defesa de uma tradição que não é tradição coisíssima nenhuma. É, na verdade, a antitradição.
Sim, porque esse esquema de faltinhas necessárias sistemáticas, essa institucionalização do antijogo, é expediente recente, do ponto de vista da história, coisa de 20, 25 anos, não cobre um quinto da existência do futebol, desde quando sua forma atual foi inventada pelos ingleses do final do século passado.
E aqueles ingleses vitorianos, quando criaram as regras do jogo, não pressupunham a deslealdade institucionalizada, sistematizada, safadamente urdida por treinadores e jogadores desprovidos de imaginação e "fair-play", que buscam apenas os resultados, nunca a simples prática de um jogo, lúdico, divertido, emocionante.
E foi com aquele espírito que nossos caboclos, negros e mulatos romperam barreiras para entrar em campo e ali exibirem seus dotes inventivos, fundando, no correr do tempo, por conta de sua espontaneidade, o que passou a ser denominado de "escola brasileira".
Aliás, não há exagero nenhum em dizer que talvez tenha sido a única obra de gênio criada por este país, temida e admirada pelo resto do mundo. Assim como não foi por acaso que aqui se produziu Pelé, a síntese perfeita e maturada dessa invenção.
E é essa tradição verdadeira, funda, quem sabe atávica mesmo, que a regra das 15 faltas resgata, pois ela oferece de novo aos nossos caboclos, negros e mulatos o direito de jogar, o direito de pensar, o direito de se expressar em campo, o direito de inventar, que a máfia da porrada, a gang dos resultados, os cultores do pragmatismo estéril e escuro, lhes arrancaram há duas décadas, a pontapés.
Não foi à toa que Túlio, o artilheiro, ao ser questionado por mim a respeito, no último Roda Viva, respondeu com a simplicidade e a solaridade que lhe são peculiares: "Essa regra protege a criação do gol. E futebol é gol."
Não entendi direito esse negócio desfeito entre a Lusa e a Cragnotti. Os italianos só queriam o passe de Zé Roberto? O resto era pura encenação?

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